Carnaval Em Quatro Atos

I. dos carnavais

da margem primitiva da avenida

os foliões partem feito loucos como quem nada têm a perder,

está na cara que começou o carnaval.

quarta-feira termina.

simetricamente a não-folia é a mesma

no peito de quem sempre se atira na avenida como quem nada tem a perder,

a diferença é que nunca termina:

- todo dia faz carnaval no coração de quem é apaixonado.

II. das quartas-feiras de cinzas

a cena mais aplaudida do festejo é a saudade:

- do Brasil que não foi

- do que a gente podia ser

- da lei que garante o lar

- do lar que está na lei

- da fome que a gente passa

ano que vem tem carnaval de novo.

- e nada de novo até lá.

III. porta-bandeira e mestre-sala

o feitiço da vila está no pavilhão de Esmeralda: mas que sorriso!

pra que tanta beleza, meu deus?

cadê minhas pernas que não me tiram daqui?

ao lado de Esmeralda sempre vai um parceiro estranho

quase sempre esguio, quase sempre passista,

mas sempre, sempre

de sorriso

e Esmeralda parte para avenida

suspende o pavilhão da alegria

faz pose de que estende a bandeira dos nossos sonhos

sorri como quem não quer nada.

IV. assim nasceu o carnaval

aquela vedete virou colombina

aquele imprudente se tornou pierrô

aquela goteira formou bateria

aquele verão com o inverno acabou

aquela senhora se faz de menina

aquele cordão desatou um corredor

aquela gente toda parece uma China

aquele moralista abandonou o impostor

aquela sonolência acordou ritmista

aquele simplista se complexou

aquela burguesia cerziu fantasias

aquele operário fugiu pra um chateau

aquela sexta é azul até quarta de cinzas

aquele exemplo nu quem queimou o cobertor

aquela esperança partiu pra avenida

aqui, deste lado, quem ficou, ficou.