Festa em casa

O hipocondríaco veio me visitar e não quer mais sair de minha casa,

Disputa o quarto com o pseudo-atleta, o faminto e o poeta autodestrutivo,

Na sala, vendo um filme mudo, o vegan tenta me convencer,

Enquanto na área dos fundos os cervejeiros preparam o churrasco.

O melancólico mastiga o ar de cabeça baixa e silêncio profundo,

Caminha, tranqüilamente, o seguro de si e positivamente egoísta,

Com lágrimas na alma escura, o filantrópico carrega a bandeja da resignação,

Um existencialista feliz faz observações sobre tudo o que se deixa passar.

Lá vem o músico carregando seu instrumento que cospe injúrias,

Lá vem o agnóstico carregando na alma uma comichão inexplicável,

Lá vem o trabalhador carregando nas costas o fardo das horas,

Lá vem o ateu lendo a bíblia para entender que nunca existiram milagres.

Um sonhador entrou no banheiro e trancou-se com vícios e fugas,

Lá fora a noite inspira o suicida a fazer da manhã um quadro sem sol,

A criança brinca e dança ciranda apenas movendo a imaginação,

Enquanto o velho conta o tempo para o remédio e o inevitável.

O ansioso troca a música a todo instante e, no entanto, está surdo,

O sedento abre todas as torneiras e não encontra nem água nem alívio,

Alguém grita com fúria, asco e cegueira em frente ao espelho,

Se parece tanto comigo, que me constranjo e sinto ânsias de me agredir.

Lá vem o discreto procurando a combinação certa com a sombra,

Lá vem o porra-loca derrubando toda minha demorada coleção de tentativas,

Lá vem o zelador contabilizando os excessos e as festas que perdeu,

Eu ainda continuo sentado no mesmo sedentário sofá, lendo minhas biografias.

EDUARDO NEGS CASTRO
Enviado por EDUARDO NEGS CASTRO em 19/10/2011
Reeditado em 19/10/2011
Código do texto: T3285335