Festa em casa
O hipocondríaco veio me visitar e não quer mais sair de minha casa,
Disputa o quarto com o pseudo-atleta, o faminto e o poeta autodestrutivo,
Na sala, vendo um filme mudo, o vegan tenta me convencer,
Enquanto na área dos fundos os cervejeiros preparam o churrasco.
O melancólico mastiga o ar de cabeça baixa e silêncio profundo,
Caminha, tranqüilamente, o seguro de si e positivamente egoísta,
Com lágrimas na alma escura, o filantrópico carrega a bandeja da resignação,
Um existencialista feliz faz observações sobre tudo o que se deixa passar.
Lá vem o músico carregando seu instrumento que cospe injúrias,
Lá vem o agnóstico carregando na alma uma comichão inexplicável,
Lá vem o trabalhador carregando nas costas o fardo das horas,
Lá vem o ateu lendo a bíblia para entender que nunca existiram milagres.
Um sonhador entrou no banheiro e trancou-se com vícios e fugas,
Lá fora a noite inspira o suicida a fazer da manhã um quadro sem sol,
A criança brinca e dança ciranda apenas movendo a imaginação,
Enquanto o velho conta o tempo para o remédio e o inevitável.
O ansioso troca a música a todo instante e, no entanto, está surdo,
O sedento abre todas as torneiras e não encontra nem água nem alívio,
Alguém grita com fúria, asco e cegueira em frente ao espelho,
Se parece tanto comigo, que me constranjo e sinto ânsias de me agredir.
Lá vem o discreto procurando a combinação certa com a sombra,
Lá vem o porra-loca derrubando toda minha demorada coleção de tentativas,
Lá vem o zelador contabilizando os excessos e as festas que perdeu,
Eu ainda continuo sentado no mesmo sedentário sofá, lendo minhas biografias.