Dez pequenos poemas (i)mortais sem títulos
I
Uma criança está chorando o planeta inteiro em suas lágrimas,
Segundos depois ela está sorrindo,
Mas bombardearam suas células
E isso fará o mapa do seu mundo interior.
Você já experimentou o que é a dor da alma?
É um arranhão tão lento, que parece inofensivo,
Mas que deixa chagas tão feias
E cada vez mais alheias
A anestesias, carícias e hipocrisias.
Você já tentou ser, intrinsecamente, íntegro?
Ou seja, ser sincero e correto a ponto de sonhar?!
Depois certamente se sentiu um ingênuo imbecil.
“Não minta. Você já pensou isso, eu sei”
Você desistiu e é um cu de cachorro
Que apenas respira e ignora o oxigênio.
Mas você tem um olfato tão apurado
Para o fedor alheio.
II
Sou criança e lembro dos meus olhos apaixonados
Por sangas e pequenos riachos,
Que sempre em movimento mantêm-se imóveis
Em sua corrente beleza indiferente.
Sou criança e lembro a chuva socando o telhado de zinco,
Me adormecendo em melancólicos ritmos,
Sou criança e me lembro das goteiras,
Caindo uma a uma eternas.
Sou criança e lembro minha rádio imaginária,
Organizada, com programadores, locutores, artistas,
Todos com nomes que ainda lembro.
III
A descoberta do sangue, do riso, do esperma,
Do erro, do amigo, da culpa, da faca, da lepra;
A descoberta da buceta, das letras, das guerras, das mazelas,
Da areia, da canseira, da vingança, das seqüelas.
Minha cara sempre acaba batendo na parede da mais dura pedra,
Minha casa se transforma, se adapta, se incendeia,
Depois alguns músculos revoltosos se rebelam contra a primavera,
Também preciso de inverno, de inferno, ser caveira.
Quero o osso exposto ao gosto do que a natureza dita,
Quero a in(pureza) do amor cheio de gozo,
Que hoje é a perda de tempo explícita.
Maldita, bem-vinda,
Bendita ainda.
Agora chega de rimas.
IV
Era sábado, eu ouvi falar sobre um desastre,
Mas minhas pernas balançam, elas querem dançar,
Trinta e sete mortos, o ônibus caiu na ribanceira,
Mas eu quero meus amigos dançando,
Quero meus amigos felizes fudendo.
Era domingo, a cidade vazia dormia de ressaca,
Era o dia ideal para se passear bêbado,
Ouvindo na sola dos sapatos as conversas invisíveis
Dos seres anteriores ao raciocínio.
(Infelizmente não chovia)
Era oito de agosto de dois mil e oito,
Me sentia como um inseto contente,
Amante da lâmpada e da ilusão da luz.
Tão bobo alegre,
Acenando para postes que nunca me viram
Ou me esqueceram,
Depositando meu corpo impaciente
No meio-fio de algum subúrbio
Cheio de crianças que me chamam de tio
E me humilham com piadas novinhas em folha.
V
Tenho algumas danças de palavras
Vindas de bocas bem macias,
Ainda assim choro feito uma pedra,
Uma planta, um pássaro apedrejado,
Uma frase dita no calor da inutilidade,
Como toda coerência que se apalpa ao acaso..
Vinde a mim todos aquele que ainda
Se importam com onde pisam
E sabem que neste imenso planeta
Um grãozinho de areia é vizinho do outro.
VI
Dança, filho da puta,
Teu bailado está sincronizado com a atualidade,
Ou será que sou eu, que por não saber dançar,
Critico a facilidade dos teus movimentos?
Dança, filho da puta,
Na pista de dança teus pés
Arranham o corpo trôpego do mundo,
Com malabarismos exibicionistas e propensos a fuga...
Pensa, filho da puta,
Aprende o que é ter raiva
Daquele que quer te recolocar no centro do salão.
Você não tem apenas que ir,
Você pode ser uma mula que empaca,
Uma lebre que dispara
Ou um rato que ameaça transmitir doenças.
VII
Os números caminham seguros,
Independente do meu cansaço e pressão alta,
Amanhã me gritam e me empurram,
A caminho de outra seqüência numérica inesgotável.
Aí, tento sorrir,
Às vezes consigo,
Faço as pazes com as flechas do ponteiro,
Mas é só convenção social,
No fundo nos odiamos com
Sincera lentidão primitiva.
VIII
Por favor, imensidão inexplicável,
Deixe-me ser eterno.
Não pode?!
Então ensine-me a esquecer e aprender.
IX
Sei que a poesia é inútil,
Como todo o resto.
Para mim não existe poesia,
Não como mágica ou alegorias.
Conheço desenhos de pontos de interrogações
Que são vôos doidos do pensamento livre,
Conheço minha debilidade perante tudo,
Conheço a pseudo-utilidade do correto, mas cago na grama.
Sei que a poesia é inútil,
Como todo o resto...
X
A arte não me quer, embora eu a tenha engolido,
Só eu a tenho, pois a obrigo a minha companhia,
Ela me rejeita, não se entrega a meus pedidos,
Me exclue de sua honra, me ignora, repudia.
Insisto em criar, contrariando as vocações,
Desde criança me iludo com a idéia de ser deus,
Entendi que não tenho marvilhosas realizações,
Mas teimo em derramar os tantos devaneios meus.