FOTO DE FEITOSA DOS SANTOS

ENGENHOS DE ONTEM, CIDADES DE HOJE.
 
Por entre os canaviais, sobre o palheiro da cana,
Caminhavam a revelia, pés descalços sob a lama.
Sambudo é um menino, barrigudo e andrajoso,
Cabisbaixo, além vai, a sonhar com uma cama.
 
A caminhar ele chega às margens da bagaceira,
O vapor vindo no vento, traz o perfume do mel.
O tilintar da moenda o leva, ao sabor da garapa,
Iguaria muito doce, para um estomago em fel.
 
De olhos magros e compridos, extasiado ele fica.
Olha a cana ser tragada, por uma boca de ferro,
O caldo escorre na bica, baba escorre-lhe da boca,
Roncam as tripas na barriga, fome ecoa no berro.
 
Aproxima-se mais um pouco, vê a caneca ao lado,
Engole a pouca saliva, que ainda umedece a boca.
Com a voz fria, cansada: seu Zé me ver um pouco,
O caldo transborda a lata, toma lá, diz a voz rouca.
 
Aquartela-se o menino, afastando-se da moenda,
Sob um rodapé de barro, de cócoras se delicia.
Contempla o vapor subir da bagaceira escaldante,
Cambaleia o frágil corpo, já a muito não comia.
 
Acostado ao lado da fornalha, o moleque adormece,
Sobre o estomago a marca, por onde o caldo rolou.
No vai e vem do seu ventre, as costelas se contavam,
Com bagaço lhe cobriram depois que o fogo apagou.
 
Já noite e tarde no engenho, todos foram para casa,
Sobre o tabuleiro da sorte, o raquítico menino ficou.
Não se sabe de onde ele veio, nem para onde ele ia,
Quem o viu não conhecia tão pouco lhe perguntou.
 
Na madrugada da noite, quando o fornaeiro de volta,
Com gancho puxa o bagaço, a boca do forno encheu,
Pôs o fogo na fornalha, a sua volta à labareda alumia.
No bagaço lá estava o menino, na noite gélida morreu.
 
Hoje não mais existe o engenho, em fogo morto se fez.
Mas as crianças vagueiam, nas cidades sem destino,
Quantos moleques em bagaços a caminhar pelas ruas,
Na bagaceira do mundo, dos homens maus e cretinos.
 
                                     Rio, 07/07/2011
                                  Feitosa dos Santos