IR

IR

É melhor deixar os pés no vento e na água e ir embora de si

Deixar-se por inteiro e ir

Deixar os olhos e a boca e o corpo e ir

Deixar números e nomes e burocráticos papéis e ir

Deixar contas e repressivos quartéis e ir

E ir longe longe

Até não mais enxergar o que quer que seja

É melhor deixar as mãos no vento e na água e ir embora de si

Deixar-se por inteiro e ir

Deixar sentidos e histórias e ir

Deixar as cidades e as suas telas e pincéis e ir

Deixar as ruas e seus menestréis e ir

E ir fundo fundo

Até não mais sentir o que quer seja

É melhor deixar o coração sem momento e sem tempo e ir

Deixar-se por vontade e por direito e ir

Deixar danças e festas e ritmos sem fim e ir

Deixar tudo e tudo e tudo e até mesmo o poema

E ir solto solto

Até não mais ser o que quer que seja

E depois, depois disso tudo,

Ver e sentir e ouvir e tocar e amar

As águas e as correntes e o sol quente

O vento no corpo e no rosto a arder na gente

As risadas e as palavras a jogar semente

E depois, depois disso tudo,

Gozar o poema vivo e inteiro

Ser o poema sem palavras

Ser uma humana criatura estupefata

Diante da explosão da própria vida

E depois, depois disso tudo,

Perceber que o melhor era mesmo deixar-se

Para achar ao longo do caminho a graça das coisas

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 07/02/2011
Código do texto: T2778063
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