AURORA EM POESIA

eu já adiantei o tempo

parei, esperei e ninguém chegou

agora ando lento

abandonei a vanguarda

e a retaguarda me deixou

agora apenas tento

morrer de cansaço e não de desalento

tenho fome

tenho sede

tenho frio

este rio imenso não me cabe

este mundo me é pouco

ganância demais

ou recompensa de menos?

sequei meus olhos

matei meus heróis

perdi meus amores

e agora? e agora eu?

meio mouro meio louro

a outra metade é vermelha

de sangue

de ideologia

de vergonha

já fui a bragança e ainda irei a nova orleans

ouvir blues nos becos

cada vez mais secos

(ouvimos o lamento eterno dos escravos, sem ter de ver as suas lágrimas)

o som é rouco

pouco posso fazer

sem ser louco.

sou?

ah, quem me dera perder por um único instante

a lucidez,

iria chorar bem baixinho

um choro sem precedentes

nem Pixinguinha nem Barretinho

um choro tolo

franco e dormente

dorme menino, dorme

papai vai morrer e não vai por céu

ninguém vai te pegar,

os fantasmas te fazem companhia

os teus fantasmas andam de dia

afastados a noite pela tua solidão,

levanta menino

o dia já vai nascer

você nasceu

por que? para que cresceu?

neste mar

neste inverno

sob este céu

tudo é inverso

controverso, até este verso

não é mais teu...

de bonito apenas o título

bonito e infiel.