Dorme...

I

VOCE É INCRIVEL,

ainda resiste

uma resistência inútil

tuas dúvidas não têm

importância alguma,

razão alguma...

.

.

.

Me pergunto

como chegou até

aqui,

tantas vezes te vi

calcular,

cavando, medindo

as dimensões

de onde esconderia

teu tesouro

pelo caminho...

.

.

.

Eu ouvir teus pensamentos,

teus papéis rascunhados

com uma mão apaixonada

e teus olhos hirtamente decididos,

assomados pela

febre do último momento...

MAS O QUE FIZESTE?

Nenhum lugar te coube,

nenhuma paisagem

te pareceu adequada,

nenhum silêncio

te pareceu absoluto

e a possibilidade de te descobrirem,

que a principio te pareceu remota,

em última instância

te encheu de medo...

.

.

.

Destruíste então teu projeto

e deste um passo adiante,

mais ermo,

com uns poemas

a mais,

a aumentar tua carga

de insignificâncias...

.

.

.

E assim foste,

sem rumos,

às vezes voltavas

quando ciente estavas

de que te perdias

numa distância absoluta

apenas no teu coração...

.

.

.

II

E assim,

convencido de o lugar

era inadequado,

em espiral, indo e vindo

andaste anos e anos

Silencioso

Desinteressado

adiando, adiando

sempre adiando

a decisão de construir

uma represa para teu sangue,

esse mesmo que já

sentes quase coagulado

nas tuas veias...

.

.

.

Esse teu cansaço contínuo,

essas coisas que sentes,

que não sabes defini-las,

que às vezes dizes

a ti mesmo ser tristeza,

são reverberações desse

abismo que cavaste...

.

.

.

Tu andaste à margem

E eu sei que tiveste

chance de te mostrar

mais ao meio e participar

de alguma confraternização,

MAS O QUE FIZESTE?

Li teus pensamentos,

ouvi os gritos que deste

e

senti teus passos desconfiados,

de afastamento

a procurar um lugar mais distante...

.

.

.

Mesmo não querendo

foste em algum momento,

mesmo que fugazmente,

parte num sonho alheio...

E poderia sim

descavar um sorriso numa alma escura

.

.

.

Sei que muitas vezes

tiveste ciência do que se passava

E sei também

como te sentiste...

Sim, as pessoas pesam

mas também aliviam

a carga de chumbo que carregas...

.

.

.

Tu poderias ter sido

o fósforo de uma grande fogueira,

Sim

MAS O QUE FIZESTE?

Sinceramente

tu me comoves...

Aqui amordaçado

por uma inexistência,

enquanto silencias

numa morte intervalar,

Eu te observo

A pensar como tenho te sido

por todos esses anos...

.

.

.

O teu tesouro

que também é teu lixo

não te tem importância,

eu sei...

Eu conheço tudo de ti,

tudo a menos da condição humana...

.

.

.

Dorme,

dorme que o tempo passa,

se te conheço bem

sei que um dia

as mãos desse mesmo senhor,

em meio a tua

eterna hesitação,

abrirá o teu baú

e te mostrará

o que não queres aceitar...

Nem tesouro, nem lixo,

Uma caixa sem fundo,

uma réplica metafísica

de tu mesmo,

é o que tens guardado,

que pensaste guardado,

durante toda tua ciência...

.

.

.

Sim,

esse mesmo senhor

imbuído de relógios implacáveis,

vai chegar à tua fronte

a mão eterna

e fechar teus olhos lentamente,

teus desatônitos olhos extraviados...

Dorme...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 07/09/2006
Reeditado em 08/09/2006
Código do texto: T235188
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