Janela aberta para o mar

O relógio da igreja do Sagrado Coração de Jesus anuncia

A meia-noite – cada badalada dói-me como uma condenação

Ao degredo . . .

Estou no décimo terceiro andar,

Na janela que se abre para o mar.

Meia-noite! . . .

A lua inunda tudo com sua luz dura e fria,

Banha, alheada, a cidade sonolenta.

Fumo um cigarro. A avenida está deserta.

Meu desassossego, som longínquo de rios remotos

Que corre entre margens orladas de lírios . . .

Lua da meia-noite refletida sobre os barcos no cais –

As embarcações, mesmo em descanso,

Estão sempre em movimento,

Mantêm vivos os mistérios de chegar e partir . . .

Lua da meia-noite refletida no leito insone dos rios –

Seus murmúrios reportam-me a tambores longínquos,

Rufando na trêmula hora de minha angústia,

De meu desespero de mim . . .

Lua da meia-noite refletida na imensidão do mar –

Vem-me à tona uma saudade antiqüíssima de quem fui

E que me corrói a vida, uma dor desolada e órfã

Espraiando-se no universo que sou para mim . . .

Lua da meia-noite refletida sobre os charcos –

Vislumbre de carícias de apagamento

Em meu coração desiludido,

Excesso de mágoa absurda numa tarde eterna . . .

Um automóvel passa veloz,

Cortando o silêncio e despertando-me para a realidade

De minha janela aberta para o mar . . .

Meu coração soluça um pranto amargo,

Inundam-se-me os olhos e cerra-se uma cortina de bruma

Encobrindo o mar, a lua, a luz de meus sonhos

Que se esvaem em fumo . . .

Oliveira