Andemos leves, andemos nus...
Hoje, se quisesse, poderia
Descrever a dor mais triste
Que existe...
Os versos recolhidos do esgoto
Formariam um poema
De nascimento já roto...
Os livros queimados
Os textos apagados
Afogados em lamas
Cobririam minha cama,
E ali eu apenas dormiria...
Hoje meu coração desértico
Quer apenas queimar,
Queimar até as profundezas
Da alma,
E esta quer gritar,
E morrer nesse grito,
E ser apenas silêncio,
E está ausente eternamente...
Hoje, principalmente agora,
Eu queria não ser um covarde
E decifrar a lâmina
E meu desejo intenso neste miserável
Momento
É saber se ela,
Como sempre me diz,
Se realmente me Ama...
E desses tantos amores
O do punhal
O do rio e do mar
Que me chama, que me chama
Como quem chama a quem ama,
Eu os queria experimentar...
O do abismo
Dos abismos, que são muitos
Um em cada olhar,
Em cada lugar de pisar,
Em cada esquina um assassino
Amando a idéia de me matar...
Um gogo de garrafa quebrada
Jogada ao canto do nada,
Que vozes ela tem,
Que doçuras em seus lábios,
Que agonia de querer-me,
De findar ali a angústia de experimentar
Um grande amor...
O carro, o volante, o vento,
Tanto amor...
Os carros, as estradas,
As facas guardadas,
As cordas dependuradas,
A cadeira inclinada
As palavras escritas,
Sem haver ninguém que lhes dêem
A dignidade de serem lidas...
Durante a noite,
A noite de cada um
Como é bom andar
Como é bom e belo o espaço que há no mundo inteiro
Em qualquer lugar
Há uma cova,
Mas os abutres,
Se ninguém pode tuas pálpebras fechar,
Nessas noites não nenhuma preocupação
Com a casa,
Deixemos a vestimenta,
Alimentem-se dela as rapinas,
E não guardemos quaisquer vestígios,
Não sejamos nessas noites avantajadas
Mesquinhos,
Amemos também as nuvens negras,
Elas têm assas e unhas e bicos aduncados,
Tudo muito apropriado
Para rasgar, para nos livrar dessas velhas vestimentas,
Andemos nus,
Andemos leves
Nada sejamos,
E nisso talvez sejamos alguma coisa...
Mas hoje, hoje mesmo, estarei voando no papo
Das negras aves,
Quem sabe eu chova...