Até a destruição dos sentidos

É difícil para mim

Desvincular o que escrevo

Do que sinto,

E, do meu ponto de vista,

O que sinto é parte do que sou...

Não que isso deva em si ter

Ou despertar algum interesse...

Não é fácil dizer o que sou,

Mas tudo que escrevo

É lambuzado do que sou,

Mesmo que seja impossível

Dizer o que seja isso...

Eu sinto constantemente

Não sei dizer bem o quê

Mas de tudo que sinto

Há uma parte constante,

E outra parte,

Não me interessa saber

Se misturar as partes

É ou não é arte,

Mas a outra parte

É sempre mutante,

E a cada momento

Nasce das interações

Que são impossíveis de evitar

Uma nova parte,

Um novo traço,

Algo que me define,

Mas o tudo não é composto

Das partes,

Porque há outras coisas

Alheias a mim,

Portando extra a mim

Que compõem aquilo que eu seria,

E quero dizer

Que nem toda dor que sinto

É minha

Que todo o amor que sinto

Não está em mim

Eu extravaso,

E o que vai

E o que foi

Nunca deixam de existir,

Completamente eu nunca estou,

E nem o mundo me cabe,

Nem os universos,

Nem o infinito,

Sou pequeno

E sou grande

E nesse meio

Contradito

Eu penso que me encontro,

Mas isso também não é verdade,

A verdade é inalcançável,

Tirar o véu,

E depois outro véu,

E ainda mais outro e outro,

Não me traz certeza nenhuma,

Apenas me angustia

Anseia-me,

Enfraquece-me,

Mas é assim mesmo,

É fraco que me vou andando,

Escutando uma sinfonia,

A décima,

A que não foi escrita,

E nessa lida,

Eu apenas tento não parar,

Eu apenas tento resistir

Até que os pés se desfaçam de caminhar,

Até que os olhos sequem de enxergar,

Até que os ouvidos estourem de ouvir

Até que o tato se converta em taticumã

Até que o paladar não tenha nada para dar,

E os outros sentidos que não têm nome

Seja colocado frente a frente

De maneira que um a outro come,

E essa ferida seja eu,

Assim quem sabe eu me descubra

E possa em fim aceitar-me.

Um dia eu vou dizer adeus

Se de minha parte disser para esse

Adeus também,

Talvez um e outro tenha se reconciliado...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 27/04/2010
Reeditado em 27/04/2010
Código do texto: T2223380
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