Até a destruição dos sentidos
É difícil para mim
Desvincular o que escrevo
Do que sinto,
E, do meu ponto de vista,
O que sinto é parte do que sou...
Não que isso deva em si ter
Ou despertar algum interesse...
Não é fácil dizer o que sou,
Mas tudo que escrevo
É lambuzado do que sou,
Mesmo que seja impossível
Dizer o que seja isso...
Eu sinto constantemente
Não sei dizer bem o quê
Mas de tudo que sinto
Há uma parte constante,
E outra parte,
Não me interessa saber
Se misturar as partes
É ou não é arte,
Mas a outra parte
É sempre mutante,
E a cada momento
Nasce das interações
Que são impossíveis de evitar
Uma nova parte,
Um novo traço,
Algo que me define,
Mas o tudo não é composto
Das partes,
Porque há outras coisas
Alheias a mim,
Portando extra a mim
Que compõem aquilo que eu seria,
E quero dizer
Que nem toda dor que sinto
É minha
Que todo o amor que sinto
Não está em mim
Eu extravaso,
E o que vai
E o que foi
Nunca deixam de existir,
Completamente eu nunca estou,
E nem o mundo me cabe,
Nem os universos,
Nem o infinito,
Sou pequeno
E sou grande
E nesse meio
Contradito
Eu penso que me encontro,
Mas isso também não é verdade,
A verdade é inalcançável,
Tirar o véu,
E depois outro véu,
E ainda mais outro e outro,
Não me traz certeza nenhuma,
Apenas me angustia
Anseia-me,
Enfraquece-me,
Mas é assim mesmo,
É fraco que me vou andando,
Escutando uma sinfonia,
A décima,
A que não foi escrita,
E nessa lida,
Eu apenas tento não parar,
Eu apenas tento resistir
Até que os pés se desfaçam de caminhar,
Até que os olhos sequem de enxergar,
Até que os ouvidos estourem de ouvir
Até que o tato se converta em taticumã
Até que o paladar não tenha nada para dar,
E os outros sentidos que não têm nome
Seja colocado frente a frente
De maneira que um a outro come,
E essa ferida seja eu,
Assim quem sabe eu me descubra
E possa em fim aceitar-me.
Um dia eu vou dizer adeus
Se de minha parte disser para esse
Adeus também,
Talvez um e outro tenha se reconciliado...