Aborto
Há muito tempo
a caneta
ficou na bolsa
O caderno,
onde as anotações são feitas,
Ficou esquecido a um canto,
poeira tomando assento.
Aos poucos, a mão que dava palavras as idéias
Também paralisou
O tato sem tato
Sem contato
Nada dígito
Nem digito
Estagnado, como tronco seco
O coração parece pedra
(ou teve que parecer pra viver na selva)
Espremo os olhos
O sumo do vazio escorre
Rola, cai e
Morre.
Tem o sabor de sempre
Tem o motivo de antes
Tem o impulso do nunca
Lágrimas adverbiais rondam o sujeito que sou.
Na sintaxe que há em mim
Sou complemento de nada
Não há transitividade no ser
Predicativos adjuntos
Vozes, que há pretéritos
Se calaram,
Por instantes ecoam
Presentes e futuros
Subjuntivas hipóteses nem se cogitam
Há o caderno
Há a caneta
A mão se fecha
E o poema morre
Antes de nascer
Porque nunca antes o tivera sido.