voltei
à terra branca
a terra que arde
à terra verde,
voltei onde olhei
pela primeira vez
a Terra de verdade.

vi o homem velho
que me disse bom dia
com lábios tão rasurados
como se tivessem sorvido
o sol de todos os dias,
desde que dia é dia.

vi a mulher sábia
que me disse esqueça
e não esqueci, aprendi,
perdi a inocência,
era o que ela dizia
e eu não entendi.

vi a menina eterna
que viu meus primeiros versos
sorriu, dançou, cantou
algo que sei chamar-se alegria
(o poeta sabe, mesmo o que não sente)
e fez-me, a musa, uma poesia
em que se dizia apenas aquela
luz, que sempre iluminaria a folha branca
onde escreveria meus novos poemas.

vaticínio, profecia? clarividência, indução?
o ateu (que eu ainda não era) sabe que não,
foi apenas sedução. enfeitiçado com tal poder
pude escrever, escrever, escrever
mudaram as meninas, mudaram as formas
a folha branca tornou-se tela
o olhar branco tornou-se cínico
o sonho tornou-se tesão,
a poesia, disse-me depois outra musa,
saia-me pelas mãos, escrevia no corpo
gravava na alma, e eu me corrompia
dava-me todo ao amor, a amada sentia
o fulgor revolucionário tornara-se fantasia
a ideologia fora cheirada e queimada.

pobre burguês, sem brio e desvairado
numa quarta-feira qualquer come cinzas
continua mascarado, após o fim do baile
após o fim da poesia, após o fim de tudo
resta o olhar doído à espera de outro ano de festa.


...Tá Todo mundo muito, Triste
Como se fosse Quarta Feira de Cinzas
De Um Carnaval antigo.
Ta Todo mundo muito, Triste
Cantando musicas Triste
E Cada Dia Fica mais Fácil
Cantar assim.

Eu tiro os outros Por mim.

Zé Rodrix – Muito Triste