Poeta

Poeta sintético, avulso,

De uma geração sem poesia

E pouco uso

Prefere o papel ao teclado

Sabe que o movimento do braço

Produz um engenho exato.

Ou será rasgado

Sem muito choro ou empenho!

Poeta hermético, rústico,

Refere-se ao céu por buraco

Invoca os seus próprios moinhos

Deságua na mágoa o caminho

Que enxágua com água fugindo do ralo.

Ou será lavado

Com muito cloro e espinho!

Poeta que não curte em formol

Não abusa do éter

Estende o carbono estéril

Na mesa do mundo retrátil

Gentil, imbecil e versátil

Do tipo que nasceu volátil

E ganhou peso nas mãos do inventor.

Ou será livre apenas

Na ocasião de um novo interventor.

Poeta de beleza posta fora da vaidade

Poeta que mente de verdade

Poeta sem rima que prima

Pela paciência acima

Dos olhos

Na demência que contagia

Soneto com ar de alergia

Histeria amuada e contida

Na anestesia américo-luso-vadia.

Poeta sem reta

Acerta o ouro imprudente

No canto de alguma esquina

Na sala de outro cinema

Que vê a vida em mais filme que tema

Poeta que teima.

Ou será explicado

Na tese de algum alquimista.

Poeta sem vento

Monocrático

Poeta de sensível labuta

Sabe que o toque desfaz peça bruta

E não há ninguém no além que aquém de si

Desprende do umbigo.

Pois, pense poeta comigo:

- mais cedo a fruta cai

e tarde amadurece.

ou desordena a espécie.

Então quero ser feito não mais!

Poeta sem fundo

Sabe que o mundo é um implante de limites

Contando os monstros arredios pelos medos

Anistia os segredos

De quem se esconde e insiste

Que a semente não rompe os furos

Do tempo atrasado,

Como não fosse o passado

O futuro que já aconteceu.

Ou será condenado

A ser poeta apenas.

Poeta injusto

Arauto da própria covardia

Descrente da rude fadiga.

Sentencia aqueles que, vez por outra,

São os mesmos que não são.

Poeta larápio

Poeta gatuno

De fróides noturnos, carentes soturnos,

Órfãos e taciturnos

Poeta soldado alado,

Pra que o coturno?

Ou será preso

No teso opiário

Vassalo.

Poeta atrasado

Vive no espaço que dura um bocado de gente

Poeta de repente

Impertinente não soma a pureza das coisas

Desastre das coisas sem coisas

Lastro que marca o impossível

Trajeto entre a paz e a beleza

Poeta que vê na dureza

O sentimento médio

Da classe com

Mediocridade

Poeta vermelho

Aguçado

Imagina por trás do outro dia

Um dia doente

Tirando o nó da corrente

Poeta incoerente

Não fala em perdão

Mas crê que a poesia seja farta

Às bacias

E coubesse em todas as mãos

Quisera, poeta,

Que a poesia

Tivesse algum coração.