água e mato água e mato água e mato
mato e água mato e água mato e água
motoágua águamato
águamato motoágua
ámato
matágua
mágua
ato
mágoa
na água,
mato.
A poesia deve ser livre para, quando lida, ser recriada pelo poeta/leitor. Esta, porém, dado à sua forma concreta e rítmica, propõe ao leitor uma viagem, um embalo onírico, uma dança com o olhar, sem que este possa, caso não exerça o poder da adivinhação, saber-lhe o mote e o intento.
Quebro minhas regras, àquelas que não fiz e às quais não devo obediência, para descrever o momento em que o poema se fez.
Estava eu em Manaus, a trabalho, seriamente realizado durante o dia. E à noite, levava eu minha boêmia para a Praça do Caranguejo, para a Ponta Negra, para os encontros com caras incríveis, em idéias, em talentos, em vivência.
Uma única noite pode resumir tudo o que quero dizer: estávamos o Arael e eu lá no Caranguejo, ouvindo uma garota, voz e violão; chegou um cara e pegou o violão, ela continuou no vocal; depois ela saiu, ficou ele, tocando e cantando, e a única vez que ouvi alguém fazer uma seleção do Taiguara; pouco depois outro cara se aproximou, fizeram, um dueto, este novo cantor tomou o violão, e assumiu o solo; a música embalou, e da platéia levantou-se outro cara, pediu, tomou do violão e lá foi, uma seleção de Raul; não acabou não, veio outro cara, com uma caixa, vendendo seus próprios CD’s, se apresentou, Jataí, da Paraíba para o Amazonas, e também tocou seu som.
Então veio o banzeiro, aquele vento típico da mata, sempre acompanhado da chuva. E que chuva. A praça de alimentação é um espaço singular, um praça com vários bares em volta, mas as mesas ficam na praça, de todos os bares, e os garçons ficam indo e vindo, atravessando a rua para servir. Com a chuva, corremos todos para dentro do bar correspondente à mesa que ocupávamos.
Ajudamos a carregar os equipamentos, e entramos correndo no bar. Lá fomos recebidos por uma bela voz feminina (a dona do bar), que cantava acompanhada por outro cara ao violão. E assim foi a noite inteira, dois violões, a cada cinco ou seis músicas trocavam de mãos, e de voz, e de estilo, teve bossa-nova, músicas autorais, canções da região, MPB, até o Arael cantou suas preferidas do Belchior. O dia amanheceu e ainda estávamos lá, fazendo serenata para o sol.
Por isto, quando veio a ordem da empresa me transferindo para Porto Velho, a mágoa se instaurou. Era uma sexta-feira, deveria estar lá na segunda. Fiz a reserva do vôo e fui busca a passagem (é, houve uma época que não havia internet para se resolver tudo), no caminho passamos pelo porto. Rocinante mexeu as costelas. Quanto tempo de barco, perguntei ao motorista. Três dias, desci, havia um barco que sairia no começo da noite, telefonei à empresa e avisei que chegaria na terça. A aventura começava.
E começou mal. Embarcamos porém o barco não saiu, defeito no motor. Passamos a noite ancorados, e no meio de uma ensolarada manhã, descemos o Negro, atravessamos o encontro da águas, onde o Solimões acrescenta seu volume barrento para formar o Amazonas, um pouco mais abaixo, onde o Madeira deságua, enfrentamos sua correnteza e, rio acima, em plena vazante, tocamos o novo porto.
No barco eu estava em um camarote, pelo menos assim é que chamavam o cubículo de madeira com um pequeno catre, mas era o único passageiro nesta condição, todos os demais acomodados em redes, penduradas e trançadas em hastes específicas para este fim, no teto da embarcação.
Sobre o teto, uma espécie de convés, havia um bar, onde passava o dia, jogando pontinho no dominó, ouvindo as quatro fitas k7 que havia a bordo: O Melhor do Brega, Reginaldo Rossi, o tema de O Dólar Furado e, para alívio e limpeza de meus ouvidos, Zé Ramalho. Comíamos todos numa única e grande mesa, em grupos de vinte pessoas (havia mais de cem), eu lia um pouco, parava para observar os bandos de maritacas, araras e outras aves barulhentas cruzando os ares, os casais de botos nos seguindo e se exibindo atrás de comida humana, descia nas comunidades ribeirinhas, conversava com aquelas pessoas tão cheias de miséria e vida e contentamento.
O que era mágoa foi-se transformando, serenando, aos poucos eu estava sorrindo, rindo, gargalhando, de um lado e de outro, mato, abaixo, somente água, no céu, o “cruzeiro do sul que nos orienta”, em todo o seu esplendor, no peito amor,amor e amor, pela vida, pelas pessoas, pela força do que é natural em nosso instinto ainda animal.
Esta viagem fez com que minha estada em Porto Velho tivesse a mesma alegria e vivência que tive em Manaus, mas como dizem, esta é uma outra história.
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mato.
A poesia deve ser livre para, quando lida, ser recriada pelo poeta/leitor. Esta, porém, dado à sua forma concreta e rítmica, propõe ao leitor uma viagem, um embalo onírico, uma dança com o olhar, sem que este possa, caso não exerça o poder da adivinhação, saber-lhe o mote e o intento.
Quebro minhas regras, àquelas que não fiz e às quais não devo obediência, para descrever o momento em que o poema se fez.
Estava eu em Manaus, a trabalho, seriamente realizado durante o dia. E à noite, levava eu minha boêmia para a Praça do Caranguejo, para a Ponta Negra, para os encontros com caras incríveis, em idéias, em talentos, em vivência.
Uma única noite pode resumir tudo o que quero dizer: estávamos o Arael e eu lá no Caranguejo, ouvindo uma garota, voz e violão; chegou um cara e pegou o violão, ela continuou no vocal; depois ela saiu, ficou ele, tocando e cantando, e a única vez que ouvi alguém fazer uma seleção do Taiguara; pouco depois outro cara se aproximou, fizeram, um dueto, este novo cantor tomou o violão, e assumiu o solo; a música embalou, e da platéia levantou-se outro cara, pediu, tomou do violão e lá foi, uma seleção de Raul; não acabou não, veio outro cara, com uma caixa, vendendo seus próprios CD’s, se apresentou, Jataí, da Paraíba para o Amazonas, e também tocou seu som.
Então veio o banzeiro, aquele vento típico da mata, sempre acompanhado da chuva. E que chuva. A praça de alimentação é um espaço singular, um praça com vários bares em volta, mas as mesas ficam na praça, de todos os bares, e os garçons ficam indo e vindo, atravessando a rua para servir. Com a chuva, corremos todos para dentro do bar correspondente à mesa que ocupávamos.
Ajudamos a carregar os equipamentos, e entramos correndo no bar. Lá fomos recebidos por uma bela voz feminina (a dona do bar), que cantava acompanhada por outro cara ao violão. E assim foi a noite inteira, dois violões, a cada cinco ou seis músicas trocavam de mãos, e de voz, e de estilo, teve bossa-nova, músicas autorais, canções da região, MPB, até o Arael cantou suas preferidas do Belchior. O dia amanheceu e ainda estávamos lá, fazendo serenata para o sol.
Por isto, quando veio a ordem da empresa me transferindo para Porto Velho, a mágoa se instaurou. Era uma sexta-feira, deveria estar lá na segunda. Fiz a reserva do vôo e fui busca a passagem (é, houve uma época que não havia internet para se resolver tudo), no caminho passamos pelo porto. Rocinante mexeu as costelas. Quanto tempo de barco, perguntei ao motorista. Três dias, desci, havia um barco que sairia no começo da noite, telefonei à empresa e avisei que chegaria na terça. A aventura começava.
E começou mal. Embarcamos porém o barco não saiu, defeito no motor. Passamos a noite ancorados, e no meio de uma ensolarada manhã, descemos o Negro, atravessamos o encontro da águas, onde o Solimões acrescenta seu volume barrento para formar o Amazonas, um pouco mais abaixo, onde o Madeira deságua, enfrentamos sua correnteza e, rio acima, em plena vazante, tocamos o novo porto.
No barco eu estava em um camarote, pelo menos assim é que chamavam o cubículo de madeira com um pequeno catre, mas era o único passageiro nesta condição, todos os demais acomodados em redes, penduradas e trançadas em hastes específicas para este fim, no teto da embarcação.
Sobre o teto, uma espécie de convés, havia um bar, onde passava o dia, jogando pontinho no dominó, ouvindo as quatro fitas k7 que havia a bordo: O Melhor do Brega, Reginaldo Rossi, o tema de O Dólar Furado e, para alívio e limpeza de meus ouvidos, Zé Ramalho. Comíamos todos numa única e grande mesa, em grupos de vinte pessoas (havia mais de cem), eu lia um pouco, parava para observar os bandos de maritacas, araras e outras aves barulhentas cruzando os ares, os casais de botos nos seguindo e se exibindo atrás de comida humana, descia nas comunidades ribeirinhas, conversava com aquelas pessoas tão cheias de miséria e vida e contentamento.
O que era mágoa foi-se transformando, serenando, aos poucos eu estava sorrindo, rindo, gargalhando, de um lado e de outro, mato, abaixo, somente água, no céu, o “cruzeiro do sul que nos orienta”, em todo o seu esplendor, no peito amor,amor e amor, pela vida, pelas pessoas, pela força do que é natural em nosso instinto ainda animal.
Esta viagem fez com que minha estada em Porto Velho tivesse a mesma alegria e vivência que tive em Manaus, mas como dizem, esta é uma outra história.