INFORTÚNIO DO ESPELHO
Na densidade da selva esconde-se uma ninfa serpente
Caída do céu como o anjo do Genesis
À terra não bastou, afundou-se mais
Na lama, no lodo, nas raízes, nos restos de gente
Bichos, cadáveres de todos os seres em decomposição
Transformação, o podre que alimenta a vida
A vida que morre, inicia a putrefação
Ação, pensamento, artérias, sortimento
Em conjunto, um ser rastejante
Que morde a própria cauda, inocula em si
O seu próprio veneno, para morrer sem compaixão
E não morre, ganha mais vida, cresce quando
Aumenta a ferida, de suas presas ejacula o bálsamo
Esquecida que é, de ser criatura celeste
Onde passa tudo floresce, tudo verdeja, tudo espanta
Com sua boca de engolir o mundo, digeri-lo e devolve-lo
Mudado, mudo, assombrado com o espectro dos que não nasceram
Nem nascerão aqueles que já conhecem o inferno
Que já povoaram todos os céus, somente resta a nós
Seres malditos, a vagar nesta terra e sob sua crosta
Serpentes com asas, ou borboletas em crisálida?
És una, mulher-cobra-celeste, de dia enlouquece
À noite esquece, ama e goza
Poesia e prosa, demônio azul, anjo vermelho
Ri e chora, do infortúnio do espelho.