na amplidão da estepe
o lobo pasta,
vagueia cheio e só.
 
sobre si pesam temores alheios,
lembram-se de suas presas sanguinolentas
sua cantiga raivosa ao luar
seu olhar amarelo-ameaçador
seu pelo eriçado antes do ataque fatal.
 
também o lobo teme,
por isso se lhe arrepiam os pelos
por fome caça
por instinto defende
por solidão canta triste ao luar.
 
talvez um senso atávico o comova,
quem sabe memórias do lobinho
quando brincava, meigamente, com a matilha,
o gosto úbere do colo da mãe.
 
o predador que, quando falha, morre,
vive só, presa do destino das espécies
o cordeiro lhe foge logo ele o persegue,
o urso o ataca logo ele corre,
a armadilha o prende logo ele morde.
 
deitado na relva orvalhada
espera uma aurora que torne seus olhos translúcidos
e o cansaço a lhe relaxar os músculos
e que a saciedade torne bela sua mordedura.
 
quem sabe neste momento um único gesto de carinho,
uma entrega de genuína paixão, não devolvam ao lobo
o menino que jamais foi.
 (somente de muita ternura se nutre o amor)