Estendo minha alma ao sol que existe além das nuvens, mastigo o ar marinho por ser o único alimento contra a dor, enfrento o vento marcando meus passos na areia; ando distante para ter mais horizonte, porém sempre refaço minhas pegadas: os mesmos prazeres, o mesmo sofrer, ainda que eu veja cada vez mais longe.
 
Este ir e vir sobre meu próprio coração endurece-o, e aquilo que seria o rio de Heráclito, torna-se, por heteronomia, a obsessiva busca de mim, o ser luz, a mulher-animus que se esqueceu de ser feliz.
 
Fico presa ao humor das marés, que me entregam todo o mar num instante, e no instante seguinte o retiram; que me faz subir, trovejante, devastadora, somente para cair pouco além, dolorida e espumante, submissa às minhas imprecisas paixões.
 
Assim fui até ter sorte, porque entre uma maré e outra encontrei você, que me foi todo ternura e compreensão, solidário, o sedutor seduzido, a exigir-me a alma antes do coração.
 
Você é a minha esperança, sendo ainda meu medo; você me possui sem me ter, e aceita tudo o que hei de fazer. Você corre para mim e através de mim, e quando eu sonho, desencanta, quando eu choro, sorri, mas me faz rir, porque sabe que sou assim.
 
Talvez a maré um dia te leve, tão cedo tão tarde, que dure então o interlúdio de sermos mar: mágicos e profundos; de sermos íntimos e cúmplices, dividindo o melhor orgasmo, tripudiando a isenção, livres do tempo, da angústia, da paixão... livres, pelos nossos corpos, pela nossa fome, pela intuição que nos faz saber, se não o que é amor, ao menos tudo que não o é.
 
A pele nos queima, a boca nos arde, assim, precisamos do gozo e da poesia, de espelhos e transparências, de prematura saudade, de sentir, perceber, sonhar, amar, ser... de intimidade.