AQUAMATER (INSPIRADO NO QUADRO “OPHELIA” DE SIR JOHN EVERET MILLAIS).

Flutuo sobre a água. Nenúfares, mais leves do que esse corpo delgado, passam sem se deter e seguem caminho córrego abaixo. Lírios subitamente se vêem livres das mãos inertes e perseguem uns aos outros antes de cederem ao leve apelo da correnteza. O frio é apenas presumido, a dormência mera intuição; a dor, o medo, o arrependimento, prisioneiros da entropia. O engelhamento da pele denuncia a passagem do tempo. Quanto tempo? Essa noção se distanciou, tornou-se opaca e o único sinal de tempo que consigo medir é o retardar de uma tênue mariposa que suga o remanescente humor do meu globo ocular entreaberto; suas asas azuis, iluminadas pela luz vesperal, batem a intervalos regulares enquanto ela absorve meu ser. Tomara o inseto enxergue através da minha íris, a reentrância, onde a paixão está engastada, onde o ato falho jaz esquecido, onde a razão foi avassalada por um instante de loucura. Que ele parta voando e leve em seu bojo aerodinâmico aquilo que de melhor me definiu: a inocência.

Arrasto-me a reboque da correnteza, é a linfa que reivindica a dádiva, acolhe a oferenda, acata a obrigação. Deixo minha consciência levar, escuto o chamado do Todo e me diluo no esquecimento. Devagar...