Entendimento
 
(para meu pai)
 
Dalva Agne Lynch



De meu pai
o que mais lembro é o silêncio.
O  silêncio e os gemidos.
Sentado à poltrona da sala
o rosto entre as mãos
os cotovelos nos joelhos
ele se balançava para frente e para trás
e seus gemidos cortavam o silêncio
torciam meu coração de criança
perdiam-se na noite.
 
E levou-me tempo
- tanto tempo! -
para entender o silêncio.
Para entender os gemidos
e o silêncio de meu pai.
 
Um dia
vendo a chuva cair além das grades
eu entendi aquém das grades
os gemidos e o silêncio.
A raiva súbita e a alegria
- tão rara e tão sem medida -
e entendi também o copo
- sempre o copo -
na mão de meu pai.
 
Olhei-me no espelho
e o rosto que vi
era o rosto de meu pai.
Minhas mãos torcidas
as veias expostas
eram as mãos de meu pai.
A raiva súbita
a alegria sem medida
eram a raiva e a alegria
de meu pai.
Estendi o braço
e toquei o espelho
acariciando um rosto ausente.
E aquele homem
- roupas brancas -
encontrou-me sentada à poltrona
o rosto entre as mãos
os cotovelos nos joelhos
balançando-me  para frente e para trás
meus gemidos cortando
o silêncio.
Os gemidos e o silêncio
de meu pai.
 



Fig: "Depressão", ₢ Dalva Agne Lynch, 2009
música: Breaking the Silence - Loreena McKennitt
 


Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 07/08/2009
Reeditado em 08/08/2010
Código do texto: T1741216
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