Retrato I



Quem sou afinal,
Nem mesmo sei:
Um metro e setenta
De ossos mal cobertos
Cujo peso total
Não passa dos cinquenta.
Dois olhos castanhos
Que se perdem numa
Busca sem tamanho
Das imagens que a
Muito se perderam
Cabelos castanhos,
Ondulados como o mar
Em temporal medonho.
Nariz que da aquilina
Forma, nada lembra,
Mas ao útil
Como chaminé da usina
- a expelir fumaça –
Na minha própria
Fábrica de desgraça.

E que hoje
Procura ressentir
O perfume que se perdeu
Ao sopro da viração.
Dois lábios que se guardam
Para os lábios que ainda
Não beijaram, com a ternura
Infinda dos seus beijos,
E que se entregam
Em beijos voluptuosos,
Salivados e porcos
Como todos os beijos
Dados sem amor!...
Uma boca que blasfema
Na mesma constância
Com que faz orações...
Com que diz palavrões
E que declama a poesia
Que se perderá no ar!...
Pescoço magro...
Pomo–de-adão saliente
Como se indicasse, sempre,
O caminho à frente

Mas que preciso
Voltá-lo para as costas,
Porque sempre encontro-me
Semi-preso ao passado.
Ornamenta-lhe uma cicatriz,
Cuja finalidade maior
É servir de interrogação
A todos os amigos.

Duas mãos que nunca
Assinaram sentenças,
Mas condenadas
A escreverem a minha
Própria condenação.
Mãos que se fecham e soqueiam
Ou abrem-se em carícias,
Com o calor das mãos que aquecem
Mas nunca são aquecidas.

São duas mãos perdidas
Em busca daquelas duas mãos.