Enquanto eu caía
Enquanto eu caía
As pessoas que eu conhecia
Não me distinguiam mais.
Enquanto eu caía
Minha rede se rasgava
E as mãos que eu cumprimentava
Também me empurravam.
Enquanto eu caía
E a luz se distanciava
Uns olhos que brilhavam para mim
Eram os únicos que me acompanhavam.
Enquanto eu caía
Minha consciência se desfazia
E nem me importava
Com o que me acontecia.
Enquanto eu caía
Muitos prazeres se amargaram
E, na solidão da queda,
Os conhecidos, ditos amigos, me procuravam.
Enquanto eu caía
Outros seres se mostraram
Uns compadecidos, de outras eras talvez, amigos,
E outros que de todo não se revelavam...
Enquanto eu caia
Porões foram se abrindo
E em cada um havia mais de mil entradas
E da entrada mais de mil desesperos se ouvia...
Meus amores se revelaram
E a dor, de não ter deles cuidado bem,
Meu coração aduncava,
E eu vi o que tinha perdido,
E eu vi que não as podia recuperar,
E eu não sei se orei
Se rezei, se fiz algum pedido,
Aqueles olhos que brilhavam,
Aqueles olhos que nunca me deixavam...
Enquanto eu caía,
Fui vendo por onde passei
Não eram estranhas aquelas marcas
Feitas a muitos e muitos tempos
Por minhas mãos espiritualizadas.
Agora que estou onde estou,
Mas ainda se me esvaindo
Eu reconheço
Os meus amigos
Esses que estiveram sempre comigo
Sem que eu pudesse entendê-los,
Nem vê-los,
A queda é necessária,
Eis-me aqui,
Com olhos
E demais sentidos,
E outros ininteligíveis
Todos bem preparados... enquanto eu caía...