Enquanto eu caía

Enquanto eu caía

As pessoas que eu conhecia

Não me distinguiam mais.

Enquanto eu caía

Minha rede se rasgava

E as mãos que eu cumprimentava

Também me empurravam.

Enquanto eu caía

E a luz se distanciava

Uns olhos que brilhavam para mim

Eram os únicos que me acompanhavam.

Enquanto eu caía

Minha consciência se desfazia

E nem me importava

Com o que me acontecia.

Enquanto eu caía

Muitos prazeres se amargaram

E, na solidão da queda,

Os conhecidos, ditos amigos, me procuravam.

Enquanto eu caía

Outros seres se mostraram

Uns compadecidos, de outras eras talvez, amigos,

E outros que de todo não se revelavam...

Enquanto eu caia

Porões foram se abrindo

E em cada um havia mais de mil entradas

E da entrada mais de mil desesperos se ouvia...

Meus amores se revelaram

E a dor, de não ter deles cuidado bem,

Meu coração aduncava,

E eu vi o que tinha perdido,

E eu vi que não as podia recuperar,

E eu não sei se orei

Se rezei, se fiz algum pedido,

Aqueles olhos que brilhavam,

Aqueles olhos que nunca me deixavam...

Enquanto eu caía,

Fui vendo por onde passei

Não eram estranhas aquelas marcas

Feitas a muitos e muitos tempos

Por minhas mãos espiritualizadas.

Agora que estou onde estou,

Mas ainda se me esvaindo

Eu reconheço

Os meus amigos

Esses que estiveram sempre comigo

Sem que eu pudesse entendê-los,

Nem vê-los,

A queda é necessária,

Eis-me aqui,

Com olhos

E demais sentidos,

E outros ininteligíveis

Todos bem preparados... enquanto eu caía...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 19/04/2009
Reeditado em 15/12/2022
Código do texto: T1548482
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