Na calada da noite

Na calada da noite

Um disparo, tiro certeiro

Perdido, dentro do peito

Na calada da noite

Um tempo úmido, gélido

O cortiço estremece

As luzes surgem

Gritos ecoam

Pânico, pânico estampado

Na cara do sujeito

Na cara do suspeito

Na calada da noite

Surreal é banal

Figuras emblemáticas

Algumas apáticas

Afinal o que é um disparo

Senão mais um, entre tantos outros

Tantos outros que o seguirão

Na calada da noite

O real transpassa as máscaras

Todos são o que são

Seja doido ou são

Seja ateu ou cristão

Seja podre ou não

E neste perder-se na calada

Revestem-se alguns

Recriam, reinventam

Suas amargas realidades

Deixam de lado banalidades

Sentem-se por vezes Deuses do nada

Na calada da noite

É fácil vagar pelas calçadas

Mas muitos pegam vias erradas

Mais tardar, não tem escapatória

Vida ilusória, queima de memória

Na calada da noite

Senhores respeitáveis

Doutores intragáveis

Mostram a que vieram

Revelam ao garoto suas taras

Na calada da noite

Mulheres comportadas

Senhoras casadas

Encontram saciedade

Para toda sua vidinha cotidiana

Lambuzam-se, fartam-se

Na calada da noite

Vadias perambulam

Por esquinas, bordéis

Na calada da noite tudo

Tudo que durante o gritar do dia

É camuflado, cuidadosamente guardado

Em caixinhas de hipocrisia

É verdade

E assim seguem

Perseguem algo que nem percebem

Na calada da noite

Açoite na alma do poeta

Vaga, vaga

Presência, vivência, pequenas atrocidades

Na calada da noite, o poeta sente-se sufocado

Para nos olhares, penetras em seus infortúnios

Palavras escreve, mas palavras

São por demais pequenas , não capturam

Não congelam, o que vê o poeta

Na calada da noite

Senta-se o imbecil num banco de praça

Desabotoa a camisa

Tenta a todo custo sentir

Uma única brisa de felicidade

Nos guetos da cidade!