Vizinha Morena
Fui brincar de fazer rima
E por uma triste sina
Descobri não saber rimar
Tentava á todo custo
As palavras costurar
Mas que coisa mais chata
A agulha de juntar
Não dava geito de ajudar
Fiquei cabreiro então
Levantei de onde estava
Parei em frente á janela
A vizinha lá estava
Do outro lado da rua
Foi me dando uma quentura
Uma gastura danada
Etá vizinha danada
Saia de chita
Com umas flores amareladas
Uma blusinha rendada
Que vizinha mais danada
Até das rimas esqueci
Me absolvi completamente
Com, o que via, ali na frente
Morena, de tudo, cabelo escorrido, de índia
Tava, em baixo, de uma árvore
Tentava, com seus braços alcançar
Uma flor do ipê
Amarelo
Ficava, na pontinha dos pés
Nossa, que balé mais gostoso
Cada vez que se esticava
Sua saia levantava
Etá vizinha danada
Depois de muito custo
Conseguiu a morena
Pegar uma flor
Então
Ajeitou-na no cabelo
Era isto que queria
Uma flor amarela
Para combinar com a saia
Perdi-me nesta cena
Parecia até um poema
A morena, a saia de chita, a blusinha de renda, e a flor amarela
Fiquei pensando nela
Durante muito tempo
Tanto tempo pensei
Que quase não notei
Passou o tempo
E desde então
Quando paro em frente á janela
Não vejo mais a morena
No lugar de sua casa
Agora tem um prédio
É la, no térreo
Na farmácia
Que compro todos os dias
Meus remédios para memória
Só, para nunca, nunca, correr o risco
De esquecer, este, deleite, do passado
Meus cabelos brancos me avisam
Menino, tome cuidado
De tudo podes se perder
Menos, menos, menino
Da sua linda morena
Que numa tarde de verão
Fez alegre seu coração!