Quisera, meu Deus, quisera . . .
Quisera, meu Deus, quisera
Ter um ritual fúnebre
Como os indianos fazem:
Meu corpo nu, ardendo nas chamas
De uma fogueira de sândalos;
Depois, as cinzas do que restou de mim,
Jogadas ao mar,
Na hora crepuscular:
Hora em que nunca soube
O que fazer de mim,
Hora em que me encharco
De tristezas depostas,
De mágoas doloridas,
De lágrimas amargas, volumosas.
Quisera, meu Deus, quisera, mas
Sei que será de outro modo.
Quando fechar meus olhos
Para este mundo,
Que verei ao abri-los
Diante da verdade?
Será que ficarei desapontado
Ao deparar-me frente a frente
Com a descoberta de quem sou?
Quando me fito no espelho,
Sinto que outro, enigmático,
Mira-me através de meus olhos
E dá-me a nítida impressão
De que não me conheço,
De que ele – o outro – sabe
Mais de mim que eu próprio.
Sou um poço escuro e profundo
Que guarda no fundo de si
Um labirinto infinito
Em que vou perdendo-me
Para encontrar-me outro,
Que sou eu, mas diferente de mim.
Talvez eu seja um esfacelamento
Do outro que me alberga
Como se eu fosse uma peça
De um quebra-cabeças
Que Deus inventou
Nas horas de ócio ou de tédio.
Oliveira