Hibernal 04
Continua a nevar estupidamente . . .
Fecho os olhos, busco evadir-me desta realidade que me aprisiona . . .
As praias que conheci . . .
Percorrê-las, dava-me a sensação de realização plena,
De total posse de mim . . .
Talvez, numa época distante, fora feliz à beira-mar:
Sinto o cheiro daquele mar de sargaços,
Beijando as dunas sob um céu de lua-cheia e estrelas cintilantes;
Diante daquele mar, sonhei viver um grande amor.
Tudo mentira.
Meus sonhos naufragaram agonizantes no mar das desilusões,
Numa noite sem luar e sem estrelas . . .
Passei a caminhar pela orla marítima,
Movido pela sede insaciável de encontrar os escombros de meus sonhos . . .
Eis-me diante do velho cais de pedra-solidão;
Na tarde triste, o ocaso ensangüentado . . .
Ao largo de mim, embarcações vestidas de alheamento . . .
Um rumurejo longínquo chega até mim,
Vem do porão de escombros de meus sonhos naufragados . . .
Pouco me importa que a cidade pulse, agigante-se
À espera da noite que chega sorrateira . . .
Aqui, o mar, também, pulsa e agiganta-se
De encontro às pedras do cais,
Numa sinfonia de lamentos de fera indomável.
Permaneço imóvel, hipnotizado,
Meus sentidos estão postos na imensidão marítima
Onde as horas decorrem lânguidas, lassas . . .
Meu Deus, meu Deus, meu Deus! . . .
Neva abundantemente . . .
Quisera esquecer-me de mim,
Abandonar-me, entregar-me ao entorpecimento,
Fingir-me outro,
Exilar-me nas profundezas do desconhecido
E conhecer-me, pasmar diante de quem sou no reverso do espelho . . .
Neva, neva, neva estupidamente . . .
Oliveira