Em alguma parte do lago extenso
No lago extenso
Eu não podia mais
Divisar as coisas que fiz
Se eram boas
Se foram ruins
Na parede da memória
Eis que apenas borrões
Se mostravam ao meu
Ingênuo perscrutar
E nisso, e isso,
Uma comoção se abatia
Sobre mim
De modo que
Os caminhos todos
Se bifurcavam
E eu não tinha mais
No horizonte
Nem nas abobadas celestes
Os indicadores do meu destino.
Em vão olha o espelho demoradamente
Em vão se recolher
E ouvir os ruídos da Floresta ao lado.
No quarto negro
Onde nenhum absurdo pode entrar
Em vão ver delinear
Por mãos voadoras
Os planos
Os traços e esboços
Outrora tão claro
Agora compostos
Por símbolos ininteligíveis
A mim
A quem tudo se mostrava
Com a transparência
Das almas puras...
Quando a noite caía
Subi laqueando o rio
E fui até sua fonte,
Talvez alguém
Por criancice
Tivesse posto lá
Algo que toldava
Toda a sua água
Que agora não refletia mais
As faces que esta encobre
Não revelavam mais
As cores dos sonhos
Que nascem, vivem e morrem comigo...
Não, nada.
A água brotava letamente
E suja de nascimento
Não era, nem podia
Ser filtrada por coisa alguma...
Isso me deixou cabisbaixo
E eu então me vi como sem nada
E uma tristeza profunda
Envelheceu-me nesse momento
Centenas e centenas de anos...
Desde então,
Pus meus olhos no horizonte
Da abóbodas sem encantos
E minhas horas,
Outrora de estudo,
Agora se acumulavam como quem
Espera o que não vai chegar
Para alentar o nosso coração
Já doído de mais,
Em fim
O silêncio fez morada em minha boca...
Fiz uma canoa a moda dos índios canelas
Velha herança de sangue e de cultura
E, dentro dela, deixei flutuar sobre o tempo,
Senhor do nada eu me reconheci
E o rio agora turvo
Incutia insegurança em quem o via
E eu, seu decodificador,
Não sabia mais como pescar o bom
Que ele outrora dava em abundância...
Quando já
Na entrada da morte
Por sede e inanição
Eu via as portas do outro lado
Eis que uma mariposa de luz
Trajetoriando espiralmente
Chamou ainda uma vez
A atenção desses olhos enigmáticos
E eu quis ainda uma vez
Ver essa que era bela
Como as estrelas
Decaídas do céu escuro
E, como quem, por uma chance
De reter o que teve em real
Na parede da memória curta
Eu me concentrei
A fim de gravar no âmado da alma
Os detalhes
Inaturais que hora se faziam...
E a voz da mariposa
Como de uma amiga distante
Chegou até mim
Antes que se aproximasse
De verdade a borboleta feliz
E disse, me perguntando,
O que aconteceu contigo Poeta
Cadê teu timbre
Que olhos semifechados são esses
Para dia tão lindo?
E antes que eu dissesse, ela disse
Não sofra por isso...
E tocou seu dedo na superfície do rio
Infecto
E ele cristalizado se fez...
Assim é quando estes olhos
Pousam sobre tua alma serena
E bem esculpida.
Assim foi hoje
E de hoje eu guardarei
A lembrança eterna,
Para sempre
Em alguma parte do lago extenso
Eu guardarei o dia de hoje...