Hibernal 02 Para Marcos Vinícius
Neva copiosamente! . . .
Soam quatro hora no relógio da sala;
Cada badalada dói-me como um punhal cravado em meu peito.
Entrego-me ao delírio . . .
A passagem das horas vai devorando a vida,
Corroendo a existência fadada à decrepitude,
Desmoronando os sonhos . . .
Abro o pequeno baú com cartas, fotos
Que compõem a colcha de retalhos
Dos sonhos vividos para além da distância,
Perdida na espiral do tempo . . .
Da torre de meu abandono, fabriquei sonhos, conquistei impérios,
Explorei a vastidão dos mares . . .
Hoje, na torre de meu abandono,
Rememoro os sonhos desfeitos,
Os impérios que não conquistei,
A vastidão dos mares que não explorei
E amargo o remorso de não ter sabido o que fazer de mim . . .
Desavim-me pelas vielas da vida, ávido de anseios;
A areia fina de meus sonhos desfeitos
Escoou por entre meus dedos lassos;
Entorpeci-me de ópio, de vodka, de blues e de desenganos
E sempre fui palhaço nos vestígios interiores de minha vida . . .
Órfão da vida,mendigo qualquer coisa que me falta
E que, talvez, jamais encontre . . .
Vagueio pela sala quase embriagado:
O ópio, a vodka e o blues transportam-me para um mundo indolor,
Ainda que equivocadamente.
Pouco me importa!
Pelo menos a dor não passa de um substantivo abstrato.
Sinto-me imunizado, até rio da possibilidade de haver dor.
Ah, o ópio! Que agradável seu aroma
E que deslumbrante sua essência viajando por meu corpo
E inundando meu cérebro com sua potência onírica,
Explodindo em fogos-de-artifício:
Delírio das grandezas exposto ao gozo sublime!
Neva, neva, neva tristonhamente! . . .
A solidão emerge sorrateira do abismo de quem sou,
Apodera-se altaneira do brilho que alumia meus dias,
Cerra a cortina de bruma,
Envolve-me, conduz-me ao degredo,
Incapacitado de um gesto de discordância . . .
Oliveira