Hobernal 01 Para Marcos Vinícius
Neva, neva, neva . . .
Uma cortina de bruma desaba, estupidamente, no palco de minha vida,
Como se fosse um lânguido entardecer,
Um dolente crepúsculo com repiques de sinos ao longe . . .
Uma angústia despropositada encharca-me
Com seu odor deflores murchas,
Com seus soluços contidos . . .
Meu coração chora a pompa de outrora felizes . . .
Outrora, havia rosas, rosas de todas as cores
No jardim de minha infância perdida:
As rosas feneceram,
O jardim sucumbiu,
Desavim-me pelos descaminhos da vida . . .
Meu coração veste-se de negro,
Meu coração perdeu o encanto pela vida,
Meu coração pulsa sem alegria,
Meu coração é um velho casarão desolado . . .
Os dias decorrem hibernais . . .
Neva abundantemente! . . .
As ruas estão desertas, ébrias de brancura . . .
Na lareira, crepitam as achas de sândalo
Que inundam a sala com seu aroma primaveril.
Que desconsolo! . . .
Que frio na alma entorpecida de solidão! . . .
Neva incessantemente! . . .
Lembro-me de que em minha infância,
Quando iniciava o inverno,
Apoderava-se de mim um sentimento obscuro,
Um misto de medo e pressentimento negro
Ao ver as árvores despidas de sua folhagem.
Faz tanto tempo, mas ainda hoje,
Experimento a mesma estranheza,
Quando me quedo diante da janela
E miro esta brancura mortiça,
Deusa desta desolação infinita! . . .
Continua a nevar . . .
Cerro as cortinas, rumino lembranças . . .
O manto negro da noite cobre-se de neve;
A noite parece mais assombrosa . . .
Minhas sensações são uma avalancha
Numa queda vertiginosa para o nada . . .
Oliveira