Muro 02
Oh, Meu Deus, esta consciência
Do aquém e do além do muro
Encharca-me a alma de uma nostalgia desmedida
Da criança que se extraviou num atalho do caminho! . . .
Hoje, do lado de cá do muro,
Vejo que tudo de bom ficou do outro lado,
Perdido no tempo . . .
Saudades de quem fui,
Dos sonhos que teci sob a sombra da velha jaqueira . . .
Saudades de quando possuía o esquecimento do ser,
Do ser natural como as águas do mar
Que rebentam na praia, colcha de renda . . .
No dia de meu aniversário,
Minha mãe punha uma colcha de renda em minha cama -
Ah, como era gostoso o cheiro de alfazema
Que inundava meu quarto,
No velho casarão da quinta de minha infância! . . .
Saudades de quando meus olhos perscrutavam,
Para além do muro, a estranheza da vida,
O assombro ante a visão de um horizonte ignorado . . .
Ah, quantas saudades do céu azul
Com pipas coloridas planando na imensidão vazia! . . .
De que me serve a filosofia e o humanismo?
De nada, de nada mesmo.
Prefiro a filosofia dos pândegos dos botequins da vida
E seu humanitarismo espontâneo.
Confronto-me com idéias e verdades dos outros
E minha individualidade ameaça extinguir-se.
Quero o gosto primitivo e infantil
De lambuzar-me com chocolates,
De construir castelos de areia diante do mar,
De correr nu sob a chuva,
De chapinhar nas poças d'água . . .
Meu Deus, meu Deus,
Tudo isso se perdeu, irremediavelmente,
Na poeira das estradas, na curva do tempo! . . .
Oliveira