veja.... ouça.... sinta....

Janelas

Flutuam sobre minha cabeça

Pulo, tento entrar em uma

Às vezes consigo

Mas onde saio

É um mundo de portas

Que se abrem e se fecham a todo o momento

Rapidamente

Então eu olho ao redor

E não vejo ninguém

Mas de cada porta vem uma vós

Um grito

Um gemido

Alguém matando alguém

Sinto o cheiro de sangue

Algumas são tão silenciosas

A profundidade dessas portas

É imensurável

Não dar par ver direito lá dentro

A luz ofuscada não chega tão longe

Portas flutuantes

Gemidos

Gemidos de amor

Pessoas se entregando a outras pessoas

Sei lá

Talvez do mesmo sexo

Sei lá

Sinto-me meio perdido

Mas penso no mesmo instante

Sobre o que estou sentido

E lembro

Eu sempre me sentir meio perdido...

De algumas portas

Flutuantes e gelatinosas

Como os relógios de Dali

Eu não ouço nada

Mas mesmo assim apuro o ouvido para ouvi

Outras são bem escuras

Parece haver alguém lá dentro

Humanóide

Sim

Humanóide

Por que não escuridão

Longe

Lá longe no beco sem fim

Eu vi um par de olhos de fogo

E eles olhavam para mim

Estranho

Me sentir atraído

E quis entrar ali

Talvez fosse algo que eu quisesse

Conhecer o que olhava para mim

E estava assim meio absorto

Entre mim e o sonho que inventei

E nem reparei

Que de uma das portas flutuantes

Gelatinosas

Uma mão, um braço, uma força animal

Puxou-me

Para dentro de um beco que a porta encerrava

Eu me assustei um pouco

Mas pensei

Que é isso...?

Não me assusto com nada...

Estava meio escuro

Olhei, não vi a mão que puxou por mim

O beco era estreito

E havia portas e mais portas

De ambos os lados

E fui andando calado

Ouvindo, quando dava

O que se falava

Ás portas cerradas

Na verdade

Estava meio receoso

Tudo era muito ciciado

Dentro dos quartos... Deviam ser quartos

E cada porta flutuante um hotel

Sei lá

Tem coisas que não se pode explicar

Na verdade não existe nada que não tenha explicação

Mas a minha limitada mente

Sentia alguma exaltação

Eram muitas vozes

A impressão era que eu estava a ouvidos colados em todas elas

E ouvia o que se passava claramente

Sem fazer confusão

Um velho, a voz o denunciava...

Alisava um criança

Talvez o avô..

Preferir pensar que fosse o avô

A por a neta para dormir

Ouvir também

A caneta deslizando

Em um dos quartos

E pude ouvir quem escreveu

Sabe o que ele ia pensando

Sentir que estava pesado o seu coração

No final dizia algo assim

"não serei mais um peso para ninguém, ninguém sentirá falta de mim..."

Logo após ouvir algo cair

Como uma cadeira

Sei lá

Talvez tudo isso nem exista

E uns grunhidos de quem não conseguia respirar...

Um esticar de cordas

Aquele barulho que as cordas fazem quando tem muito peso a sustentar...

Ao mesmo tempo

Uma voz me seguia

E essa não vinha de nenhum quarto

Era uma voz que não se definia

Às vezes eu conseguia vislumbrar o que ela dizia

Mas eram palavras soltas

Tipo...

"veja.... ouça.... sinta...."

Ouvir alguém rezando

Pedindo por alguém

Que estava maquinando

Matar-lhe

E quanto ele disse o 113 pai nosso

Ouvi dois disparos disparar....

E ouvi graças a Deus...

Na verdade não sei quem morreu

Se é que morreu alguém

Sei que sentir cheiro de sangue

E sangue vazou pela porta lá distante

Corri

Fui ver

Sangue, muito sangue...

Bati na porta

Espanquei a porta

E a voz do corredor...

"não....

Mas talvez

Pensava eu

Possa ajudar

Chutei a porta

Tentei rebentar

Foi quando ouvi um silencio funeral

As vozes todas se calaram

Mas mesmo assim

Derrubei a porta

E consegui entrar

Incrivelmente aquele ambiente me era muito familiar

vi um velho, muito velho

Com uma garruncha na mão

Ele se parecia comigo

Achei isso incrível

Uma cicatriz no rosto do tempo que fui estivador

O nariz com a mesma tortura

Torto no mesmo lugar

Fazendo o mesmo ângulo

Óculos iguais

Por um momento eu me vi

100 anos mais envelhecido...

Ele olhou para mim

Olhou demoradamente...

Eu disse o que você fez?

Com o beiço ele apontou o rumo

A uns três metros entre livros

Um corpo caído no chão

Estava de bruços

Numa das mãos um manuscrito

Noutra um livro que eu pensava, desejava muito adquirir

Eu disse

O que você fez???

Ele, o velho apenas me olhou profundamente,

Os olhos vazando de compaixão

Como se eu fosse uma criança

Estranho que não sentia nenhum asco

Ou coisa parecida...

Corri

Passado o torpor

Virei o corpo

Dois buracos no pescoço

O sangue ainda esguichava

Mas era de leve

Era pouco

A vida se estendia pelo assoalho

E vi então que eu não podia fazer nada

A porta estava fechada

Sumira

Transformara-se em parede

Mas nada disso me espantava

O velho com olhar e cabeça caída

Disse

"você não entende...

Minhas mãos vermelhas

Nem me virei

Posicionei o corpo

E vi nele algo familiar

Um cicatriz ainda jovem

De infância

Um nariz com uma tortura

Que só eu podia encontrar

Não pode ser...

Olhei para o velho...

Você matou você...!!!

E ele me disse

Você não se recorda desse espelho...?

Olhei um espelho barato, trincado

Lembrei que ao tentar matar um mosquito

Acabei por quebrar o espelho....

Ao olhar o espelho

Eu vi algo muito familiar

Uma cicatriz num lugar inconfundível

Um tortura no nariz que só eu podia carregar...

Demorei pensando, processando

Não podia ser

Eu devia está dormindo...

Sei lá

O velho olhou para mim

E disse ainda adeus

Eu não consigo chorar

vi apenas que ele ficava mais e mais etéreo

Fantasmagórico

Sua voz mais difícil de ouvir

E eu vi a mim morto ali no chão

Fiquei me olhando

E o velho já praticamente invisível

Queria dizer alguma coisa sobre o futuro

Mas o que ele disse....

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 31/07/2008
Código do texto: T1105559
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