Infância II
Sob a leitura de um Pobre Corinthiano Careca.
Meu pai entornava uns tragos, foi embora.
Minha mãe trabalhava de secretária. E eu com vergonha.
Irmão, eu não tinha.
“Deus sabe o que faz”, acredito.
Sozinho, menino, andando na 9 de Julho,
via a história de Joana (“uma menina,
mais ou menos, da minha idade
Ia de carro em carro entregando um bilhetinho”)
comprida história que talvez não acabe mais.
No meio-dia branco de luz uma voz
tentava me animar, era minha imaginação
dando-me tudo o que a vida não quer.
Sonho lindo que nem a Camila
Sonho gostoso
Sonho bom.
Depois do expediente, é claro, minha mãe ficava sentada
costurando
(uma metáfora para quem tinha que preparar uma redação)
Ela não reclamava,
Ao contrário de mim.
Lá longe meu pai talvez medicava, tratava
dos dentes de possíveis pacientes de muita renda.
E eu aqui, invejando a vida de Charles Augusto
(que até nome de príncipe já tinha).
Dizendo tudo isso sem saber
que a minha história
era mais bonita que a de Joana.