A morte do efermeiro
"Você vai sair amanha à tarde?
Sim
lá três a quatro horas
se vou ficar uma hora na rua?
não...
falo do horário
por ai
ou antes
ou depois
quem pode saber?
todo plano, por ser plano,
é falho
como deves saber
não é?
eu?
eu mesmo não sei dizer
o que vai acontecer
por que por mais que imagine
por mais infinita que seja
as coisas que posso imaginar
você deve saber
que há muito, mas muito mais coisas
entre as tantas que podem
de repente nascer
que aquelas que nossa
pequena e limitada ilimitada mente
pode conceber
por isso
é que digo
entre quinze e ou quatorze horas
ou antes
ou depois
qualquer hora é hora de morrer
de se espantar
com o que no momento observando
está a acontecer
algo muito inesperado
sabe
um homem que trabalhava
nesse ramo do conhecimento
de salvar vida
de repente
um dia, sei lá, talvez tenho sido madrugada
de repente
sem perceber
nem ter tempo para pensar
nem na razao e por que
foi recebendo uma a uma
sete facadas
era um homem novo
sei lá
talvez fosse dia
talvez fizesse sol
talvez o céu estivesse azul
mas a gente sabe
não é?
que a qualquer momento pode chegar a madrugada
para aquele homem
um ser humano vestido de branco
que não teve tendo de chorar a dor
que deve haver
no momento em que
o frio ferro
atinge a carne
e desvia a rumo do sangue
sabe
as veias
o sangue fica sem sentido
e então
ainda de olhos conscientes
o homem que está sendo devorado
por madrugadas
e outras coisas que parecem inexplicadas
eu sei
sim
é claro
que ele ainda pôde ver
um liquido muito rico no chão correr
sabe
um do tipo com o qual ele já se habituara a ver
mas deve ter lhe soado estranho
pois coisa assim quando acontecia
ele sabia o que fazia
sabe
ele tinha a técnica
tinha estudado
madrugado
gastado a vista
se esforçado
talvez, de origem humilde
tenha até se humilhado
diante de algum dos seus pares
pedindo aqui e ali
alguma coisa emprestado
talvez enquanto se esforçasse
e o motivo para tanto
fosse a sua mãe
que terminalmente
na boca da morte
ele talvez pensasse em se especializar
para cuidar com mais carinho dela
sei lá
quem pode saber
o que lhe veio motivar
não é?
mas sabe
naquele momento
em viscosamente o liquido se desenhava
e ainda em si ele sentia algumas pontadas
não era de agulha
não, não era
eram facadas
e então o que ele deve ter pensado?
talvez em tentar salvar a vida
pois aquele liquido sem qual ninguém existe
lhe despertava esse impulso
sabe
ele amava profissão
mas tinha alguém pesando sobre ele
e ele não pode correr
não deu tempo
mas penso que ele chegou ainda a ver
numa entremeada luz
apenas o que seus olhos podiam ver
alguém correndo
mas não era para chamar ajuda
era alguém fugindo
enquanto isso
seu impulso de salvar
foi se diluindo
enquanto o dia perdia
todas as suas cores
enquanto seu coração
não tinha mais por que pulsar
sabe
ficou vazio
a terra perdeu umas mãos de salvação
mas o outro mundo
apesar da dor
deve ter recebido a ele
com alegria
e principalmente
com consolação...
...
é deve ter havido muita consolação
entre os seres para onde ele foi
e esses
juntando força com os que
aqui ficaram
inclusive sua mãe
que jamais imaginara viver ainda
para sentir a dor mais doída de toda sua vida
pois ela como a cidade sabe
está em estado terminal
mas viveu ainda
para ver murchar
sua flor, sua rosa, posta no centro do seu coração
como a luz que lhe enchia os olhos
não havia no céu
para ela ele era a estrela mais linda...
então
o que eu posso dizer
se vou sair amanhã
não sei
por que o amanha
como bem sabeis
não há
e o pior
é que se houver
ninguém que no amanha
estiver
vai poder controlar
isso tudo que pode acontecer
e mais ainda
e que a gente nem consegue conceber
se vou sair amanha a tarde?
eu não penso assim...
aliás eu não penso
pensar é muito perigoso...
é isso...
mas não é só isso...