TELEFONEMA
A minha amiga está triste.
Trabalha, come, dorme e olha TV.
Ela não vê?
Telefona para lamentar.
Se dou conselhos
escolhe recuar.
-Vamos jogar tenis;
-Não sou esportista.
-Vamos à conferência;
-Não sou existencialista.
-Vamos ao teatro.
-Prefiro o meu quarto.
Ela pára, fingindo que corre
e nenhuma solução lhe ocorre.
À inércia chama resignação,
e vai bebendo, sem força ou ação.
- Parar é morrer,
Pior!
retroceder!
Mas ela não quer saber!
- Não é preciso ser um Iniciado
para saber:
Mesmo o Universo
cresce na sua imensidão,
para o Criador aprender
o resultado de sua criação.
- Teu verso não tem razão.
- O efeito do raio que sai do ponto;
a matéria do neutrão;
o rio da fonte;
a ciência do mistério;
o sorriso do encontro,
tudo fazendo fusão,
para a vida ter sentido
na eterna moção.
- Blasfêmea sem perdão.
- Procura entender a existência!
- Isso é pergunta vazia.
Ninguém tem competência.
Me responde bem fria,
e com firmeza!
-Querida, é um direito
que se transforma em dever.
Será o problema falta de amor?
- Isso só tráz dôr.
- Pelos outros, pela Terra, por ti mesma.
- Só para empatar a vida como uma lesma?
- A vida de escolhas é resultado.
- Para dos outros ser criado?
- Se do nosso cérebro apenas usamos
uma pequena percentagem
não é bobagem
querer desenvolver.
- Faz doer!
-Muda a linha de pensamento.
-Não tenho tempo nem paciência.
-Lê um livro de ciência.
-Muito complicado, não tenho alento.
...e a minha amiga dorme vazia,
num castelo de areia
que nunca subiu,
no torpor de quem nunca viveu,
em frente à lareira
que nunca acendeu.
- Sempre andaste na moda,
vamos a um desfile.
- Nem sabe como me incomoda.
Já viu o meu perfil?
A vejo esvair na procissão
da tristeza.
Crucifixo beijando.
Agarrada ao vinho bastão,
alma corroendo,
sorrindo a fantasmas
que se prendem ao chão.
- Para quê nascer
se não sabe viver?
- Tenho dinheiro,
muita riqueza.
- E muita tristeza...
Nunca se integra.
A natureza esquece
e vive sem sonho,
lamentando
a ruga que aparece.
Outros culpando
pelo que não fez,
com medo de arriscar,
os outros usando,
com medo de viver,
com medo de brincar,
ao vazio resignando.
Inaceitável
vê-la morrer sem se amar.
- Não posso aceitar.
- É a única forma viável
que me conheço. Eu mereço.
O que poderia eu fazer?
Que coisas poderia dizer?
- Vês a vida do aveço.
Vamos viajar.
- Prefiro o meu lar.
- Vamos ao terraço
- Estou doida de cansaço
Por fim ousou:
- Quero morrer.
E desligou.