PÉ DE LIMA (1980)
Debaixo desta limeira,
Desgalhada e retorcida,
Eu vi teu corpo, menina,
Deitado na relva basta,
Com o vestido atirado,
Ao lado de uma touceira.
Agachado, um pouco adiante,
Naquela moita escondido,
Eu pude te ver, menina,
Como produto nativo,
Florescer da terra casta.
Enquanto tu te aninhavas,
Ao pé da limeira tosca,
Eu ficava, sol a pino,
Como se fora um castigo,
Deitado em meio às urtigas,
Sem reclamos e sem queixa,
Só pra espreitar teu abrigo:
Ver-te nua, limpa e bela,
Tremeluzindo ao mormaço,
Como visão de quimera,
Sem qualquer tempo ou espaço.
Ainda juro que foi
O meu olhar espichado,
Que secou todo o suor,
Que então corria abundante,
Pelo teu corpo abrasado.
E ainda penso que foi
A minha mão tateante,
Que se estirou na campina
Para excitar o teu corpo,
Num gesto ousado e fremente.
Embora àquela distância,
No teu devaneio louco,
Tu não vias nem um pouco
Aquele menino feio,
Que devorava o seu sonho,
Beijando a terra com enleio.
E ainda sob a limeira,
Que já nem mais frutos dá,
Eu te vi, rindo e faceira,
Espreitar dentro do mato,
Dizendo um nome baixinho:
Era um jovem mais taludo,
Que vinha todo fogoso
E que te embruteceu de beijos
E de carícias fatais.
Cravado sobre o teu corpo
O corpo do outro menino,
Deu-te prazer e um destino,
Marcado de terra crua.
Os teus suspiros explodiam,
Lancinantes no meu peito
E eu chorei por despeito,
Talvez por ver-te tão nua,
Ferida daquele jeito,
Quando já soprava a brisa,
Sob a luz doce da lua.
Muitos anos já se foram,
Desde o sonho estremecido.
Sentado na mesma moita,
Num dia de igual marasmo,
Ainda recordo ciumento,
Os corpos nus se tocando,
Na orgia do passado
E com ternura acho graça
Do garotinho impotente.
Espreito a lua brilhante,
Estiro o corpo na grama,
Ao longo da noite quente.
Abraço o corpo ao meu lado,
Comprido, sensual, fremente,
E beijo uma boca ardente
Da moça, não mais menina,
Mas que ainda me alucina,
Por caprichos desusados,
Que apesar de seus pecados,
Conserva o sabor de lima.