NA FEIRA DE ITABAIANA, com Fábio Mozart e Sander Lee
Na Feira de Itabaiana
Eu também vi esses cegos
De cantadores a pregos
Era um cenário bacana
De perfume a banana
De gelada a trancelim
De mágico a amendoim
O teatro da verdade
Que vendo a tua saudade
Suscitou saudade em mim
Contigo tomei cachaça
Nas barraquinhas de zinco
Uma beleza, não brinco,
Tanta peleja, que graça!
Esta saudade a traça
Jamais pode corroer
Meu pensamento a correr
Volta para aquela feira
Pra ele não há barreira
Que o impeça de ver
E vejo Arlinda do peixe
E vejo o homem borracha
Zé Mariano se acha
Vendendo feijão em feixe
Zé Costa com almofreixe
Lotadinho de Cordel
Penca Preta no bordel
Bebendo cana com fava
E Fábio Mozart estava
Trabalhando o seu cinzel
Vi seu Luis do feijão
Joca da carne de charque
As putas no desembarque
Vi Berto da União
Vi bucho, vi camarão,
Zé Dudu do Botafogo
Vi o marchante Pirogo
O café do Teve Jeito
Carioca do confeito
E seu Adonis do jogo
Tem inhame, macaxeira,
Tem a feira do mangaio
Inda se vende balaio
Cinturão e cartucheira
Tem sela e tem peixeira
Quartinha, forma de barro
Bêbado com quem esbarro
Se tudo isso carrego
Mas é a visão do cego
A mais forte que agarro.
Sander Lee
***
Na feira de Itabaiana,
Vi uma papagaiada:
Uma mulher deslumbrada
Comprando voto e banana
Feito cobra caninana
Carregando um deputado,
Um locutor, um soldado
E dezoito puxa-sacos.
Passeata de macacos,
Comício mal ajambrado.
Vi um pobre condenado
Pedindo esmola na cuia.
Fruta podre aquela tuia,
Sujeira pra todo lado.
Um surdo-mudo calado
Com vontade de cantar,
Balançando o maracá
Numa pancada bacana.
Na feira de Itabaiana,
Uma é ver outra é contar.
Vi carne no alguidar,
De bode, boi e galinha,
Vi Maria e vi Aninha
Vendendo seu munguzá.
Vi Joquinha do Preá
Assando carne de charque,
Vi Tadeu no desembarque
De uma venda, bebinho.
Vi Luciano Marinho
Sivucando lá no parque.
Eu vi Jessier Quirino
Mangando da matutada
Em fantasia ilustrada
Com astúcia de menino,
Falando de Zé Granfino
Até o Biu Penca Preta,
Mostrando toda faceta,
Paisagem do interior.
Eu vi tudo, sim senhor,
Vi até a coisa preta
De Buliu, a escopeta
Do cabaré de Topada.
Avistei minha moçada
Porque parei a ampulheta
Do tempo, numa mutreta,
Num lance mágico criar
Um protótipo, avatar
Do genial Pingolença
Reafirmando a crença
Do feitiço do lugar.
Vi Pingolença na feira
Fazendo seus belos truques
Entre toada e batuques,
Com a morena faceira
Que é a porta-bandeira
Dos índios de seu Mocó.
Um palhaço que tem dó
Da rapariga rameira,
Perseguida, peniqueira
Do tempo de minha avó.
Vi o branco paletó
Do compadre Zé Ferreira
Andando no meio da feira
Afinando o mocotó
Escutando o arigó,
Receitando uma meizinha,
Comprando fava e farinha
Pra alimentar Sanderli
Tudo isso aqui eu vi
Com olhos da Carochinha.
Fábio Mozart