Afogo-me em minhas próprias desgraças
Sinto a dor da vida como a dor do parto
Tenho contrações
Dilatam-se minhas entranhas
Mas não tenho filho algum
Nada nasce
Nada cresce
Nada floresce
e
Meus olhos não mais umedecem
Fixam-se, estáticos em algum ponto qualquer do mundo...
Lá fora crianças brincam de roda
Cantam canções de crianças
Ondas marulham no Atlântico
Sabiás bicam os frutos do azevinho
Tudo em seu lugar
Numa roda viva contínua
... cá dentro a escuridão
Janelas fechadas para o céu de Deus.
Quisera um poema cheio de serpentinas
Um blues que trouxesse um riso
Uma boca que oferecesse um beijo
Um abraço
Uma declaração de amor
Um gracejo!
Mas a poesia treme
Exposta à sangria da alma
Roda de moinho movida à lágrimas
Mariposas negras
Cega a visão
Machuca a carne
Silencia a palavra.
Acendo mais um cigarro
Que o restolho existencial se esvaia com a fumaça!
... Pigarreio
Tusso
Mas não sucumbo
Sigo em frente
Para lugar algum
Na solidão do caos.

Anna Corvo
(Heterônimo de Elisa Salles)
Imagem: Pinterest
Elisa Salles ( Elisa Flor)
Enviado por Elisa Salles ( Elisa Flor) em 13/02/2019
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