CRIME NEGREIRO

Amigo Farol, me conta o que você viu?

Cadê meus irmãos?

Viu o navio que singrava por estas águas?

Águas...manchadas de sangue...

SANGUE NEGRO!

Sou um pingo de sangue que aqui se perdeu

no tempo que envelheceu.

Amigo, Farol.

Sei que você está ai desde outrora,

dê conta de minha gente!

Não se comove com os meus ais?

Nesta praia, o meu passado, viu falecer?

Sabe, que esse mar cúmplice

levou consigo as lágrimas de meus pais?

O conto que minha avó iria me contar...,

meus filhos não ouviram

as cantigas daquele lugar.

Chegaram aqui,

já fracos e maltratados

Olhos tristes, e assustados

apoiando-se em outros olhos,

irmãos de sina iguais aos seus,

deixando prá trás os sonhos meus

Esparramaram meu sangue,

tiraram-lhe a cor,

marcaram a ferro quente,

tosaram minha carapinha,

arrancaram meu cachimbo,

macularam irmãs inocentes.

Amigo Farol,

devolva minha memória,

deixou que a tirassem,

foi testemunha, e nada fez.

Ficou mudo... quieto...

Teve medo também?

Todas aquelas noites...

Porque não me ajudou?

Amigo farol,

me conta só um pouquinho

prá que eu possa me achar.

Procuro minhas pegadas

apagadas pela maré.

Quero ajuntar o sangue já seco,

Ilumine prá eu enxergar.

Quero ver se encontro minhas raízes

perdidas, deste longínquo lugar!