MATA-BICHO E ALMOÇO-JANTAR

I

As horas desabrochavam-se em munjinji na margem do rio Nzenza

Quando o sol ia pacato e atento, algo afeiçoado à nuvem leviana

Que pois então se esvaía serena nas alturas do levante

Ao abandono da brisa levemente a desdobrar-se qual devaneio

Em sua própria grandeza vestida de fúlgida elegância — pelo que

Debaixo da kamwanze, os velhos conversavam com abelhas

No tocante às flores que surgiam perfeitas noutrora, enquanto

As velhas mastigavam colas sadias trazidas de Katumbela

Volvidos pouco mais de duas noites de luar, a bem dizer —

Rente, as galinhas do mato cacarejavam de raro em raro

Troçando do cão que roncava monótono em terra de quintal

Frente ao afloramento no qual a criançada junta pelas mãos

Ao ritmo da cantoria, brincava o brinco de kaxie:

"Kaxieh mbala tumba, kaxieh mbala samba, we leleh, kaxieh!"

Já havíamos manducado o nosso Mata-Bicho de mandioca cozida

Acompanhada de carne seca chamuscada sob o feixe matinal

— Um chá de kaxinde para óptima ingestão

E tal cacho sápido e sumarento de frutos de tamareira

A despeito disso

Com mais estro ainda, ansiávamos por Almoço-Jantar!

II

Pela tarde, a Kota dia hongo apertava o pano na finura da cintura

Ao mesmo tempo que ajeitara o bebé amarrado às costas

Em vias de preparar, desta feita, o mufete com feijão requentado

Após ter guisado, a fogo lento, o apetitoso kiteta

Pitéu preferido do marido Kikota

Vendedor viandante de rapé que, não tendo podido falhar

Iria viandar até longe ao cair da noite

"Dentro em pouco vamos almoçar," anunciava ela, risonha

E toda graciosa — para não dizer adorável —

Numa voz tão delicada quanto dedicada e absorvente entrementes

Igual aquele zunzunar de sopro suave em ampla festança

Dentre o rubro das acácias e o verdejar da lavoura mais além

De moto próprio — com muito ânimo no temperamento

A Sambanjila achegou-se ao vasto cesto de mantimentos

Recolhendo com presteza as bananas passadas ao calor do tempo

E a jinguba antes torrada e depois esmagada em kitaba

Que servira como petisqueira de merenda

Sem mais delongas, acendeu-se o lume de lenha na maswika

Sob impulso do abano feito de palha —

Venha agora a Grande panela de barro! água para dentro

Bagre defumado cortado às postas e adubado com azeite de palma

— Kahombo macerado à mistura para o divino efeito

E uma pitada de sal ao prazer dos deuses no Panteão!

III

Após uma breve fervura soltando aromas mediante os vapores

Junta-se-lhes a jimboa, dinyungu e outro tanto de kyabu tenros

Reduzidos a finas rodelas para um molho distinto e sublime —

Isso! brasas a roda e deixa cozer: Butubutubutubutu!

A meio de cuzedura acrescenta-se, logo, folhas de abóbora flava

Algum esparregado de feijoero, condimentos e mais sortidas ervas

Deste Bengo que é nosso torrão abundoso em iguarias várias —

"Envolva, mana!" dirigia a Kota dia hongo que observava por perto

Enquanto isto, os colibris gorjeavam sobre colinas na aragem

Gorjeavam à maneira das vagas afagas de Janeiro amadurecido

Ao mês de Março viçoso que, por seu torno, rumava ao mar

Em agradecimento à Kyanda, sem nem dar por isso, dir-se-ia

Porém

Na embriaguez do prazer dançavam mariposas deslumbradas

Em cadências com o ruivo realce chegando da esparsa ramagem

A pouco e pouco, num rumorejar posteriormente embevecido

Como que anunciando o repasto delicioso à toda a vizinhança —

Em resposta

A criançada, por ora ao pé do celeiro, repetia veses sem conta

O ledo refrão acentuado com um ruídoso regozijo do folguedo

Em sombra alongada daquele ditoso dia:

"Kaxieh mbala tumba, kaxieh mbala samba, we leleh, kaxieeeh!"

IV

Por mim, deste lado, já havia tomado um trago de kaporoto

E com a cabeça meio curvada pela tentação dum louco fascínio

Espiava assim, de olhos vesgos, aos peitos túmidos à mostra —

Os peitos da Ndenge ya hongo (filha kasule do velho Musongo)

A mais bela mulher que o mundo jamais vira

Quando, por último, batia o funji de kandumba com o muxadiku

Entre suas coxas macias de tonalidade ébano

A fim de se desfazerem os grumos

Serviu-se então o Almoço-Jantar bem quente, e comemos —

Sim, comemos nosso funji de peixe sob a árvore mufunji

Sukueeeh! o paladar era de se lamber!

Mata-bicho = pequeno almoço

Almoço-jantar = um almoço que se come muito tarde

Munjinji = planta de flores aromáticas

Kamwanze = uma das árvores utilizada para sombra

Jimboa; dinyungu; kyabu = ervas comestíveis

Kaxie = um passatempo infantil com este nome

Cola = makezu

Kota dia hongo = primeira mulher dum polígamo

Sambanjila = segunda mulher dum polígamo

Jinguba = amendoim

Kitaba = papas de amendoim

Maswika = as três pedras formando triângulo

e sobre o qual se coloca a panela ao lume

Kahombo = qualidade de pimenta

Kiteta = marisco com este nome, cozido em água do mar

Ndenge ya hongo = última mulher dum polígamo

Muxadiku = pau amassador com o que se bate o funji

Escrito originalmente em Kimbundu

Tradução portuguesa do Autor.

KibaMwenyu
Enviado por KibaMwenyu em 18/03/2022
Reeditado em 21/11/2023
Código do texto: T7475472
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