Ocultação de cadáver
(Às lendas mulheres almas putas jamais vivas, sempre mortas e ocultadas da justiça e da vida)
Ei, estou aqui!
Por que ninguém se importa?
Os vermes roeram meus olhos
Minha boca
Que um dia sorriu
Certa de que ao menos eu existo
Jogada por aí
Meus braços cerrados
Minhas pernas engolidas
Meus ossos carbonizados
Meu corpo
Que um dia gotejou
Pra que eu pudesse ver
Que nem mesmo minha matéria
Me fez menos morta
Ei, eu esperei tanto tempo!
Esperei
Espero
Pra cair no primeiro soco
Sentir a primeira facada
Ver as chamas me desfigurando
E depois, ah
Depois...
Sem matéria que era minha
Pensar enfim se é ilusão
Ou se ela definha
Existência...
Existo?
Insisto?
Quando era matéria
... mais que mágoa?
Mais que os próprios vermes...
Que comeram os restos...
Persisto?
Em acreditar
Que algum dia fui viva...
Vocês sorriram
Quando me viram
Nas manchetes dos jornais
Violada
Estraçalhada
Morta
Mas francamente agora
Sei que viva nunca fui
E não sou nunca mais...
O desdém que me disse
Me provou
Naquele cuspe em minhas sobras
Naquele riso tão sincero
Que nunca fui algo vivo
Mas útil
Pra acumular cuspes
Risos
Espermas vencidos
E um saco para enfim
Descansar
Submersa
Da novela da puta comida
E do herói aplaudido
Assassino
Mas eu ainda vejo
Com os olhos mordidos
Eu ainda ando
Com meus ossos moídos
Eu ainda vivo
Mesmo sendo morta
Suplico
Virei lenda de alma condenada
Repercutida nas vilas e escolas
A puta que sussurra
E que a todos vai sempre infernizar
Ei, por que ninguém se importa?