NÃO HÁ OCEANO ONDE MORO...
  
 
© Dalva Agne Lynch


  Não há oceano onde moro.
  E por que seria tão importante não haver oceano onde moro?
  A importância do oceano está na grandeza que traduz
  Quando o que nos cerca é ínfimo e vil e cheira a desumanidade
  Nos sacos de lixo onde crianças se repastam

  E nas soleiras de portas onde mulheres cansadas se vendem
  Pelo preço de um litro de leite e um bocado de pão.
  E não há nada, absolutamente nada, que eu possa fazer.
  Nem mesmo um oceano onde possa afogar a realidade.
  Então coloco-a em versos, em livros que talvez nunca sejam lidos
  E que tento vender por serem a única coisa que tenho
  Como a mulher cansada que se vende nas soleiras de portas
  Seu único bem sendo seu próprio corpo.
  E que bem seriam meus versos, que falam da realidade das coisas
  Quando os homens buscam afogar a realidade das coisas?
  Por isto é tão importante não haver oceano onde moro.
  Apenas cimento e asfalto e homens empedernidos
  Que compram amor pelo preço do leite e do bocado de pão
  E nada lhes sobra para comprar poesia.
  Se houvesse oceano onde moro
  Talvez alguém lesse meus versos. Ou talvez não.
  Mas não há oceano onde moro.
  Apenas o coração empedernido do homem que compra corpos
  Enquanto crianças se repastam no lixo
  E mães cansadas se vendem
  Ou escrevem
  Para comprar-lhes pão.

 

 

 

 

 








 

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 13/04/2013
Reeditado em 12/07/2022
Código do texto: T4239089
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