ÊXODO
O SEQÜESTRO
...
A mata bramia em estalos
Os pés queimavam a terra
arrancando a sola
O sol ardia entre as árvores
e o barulho de pólvora
queimada enchia o ar
Não adianta enxergar o céu
Não adianta correr pro mar
As correntes vão pesar
Os porões vão cheirar
O barulho das ondas e o cheiro do mar
tapam as narinas e coçam os olhos
Gritar não adianta
Oxalá não vai escutar
Ogum não vai quebrar os grilhões
Xangô não vai segurar a minha cabeça
...
ANTÍFONA
Acorrentados pelo sabor das ondas
os vegetais apodrecem na fruteira
adormecida sobre o convés
Germes de todos os tamanhos
passeavam sobre os corpos
inundados por jatos d'água
Toques morseanos
misturava-se com gemidos
engasgados na garganta
Morcegos banqueteavam
com os cortes nos pulsos
no vai e vem das ondas
Enjoados pelo mar
sufocados pelo vômito branco
morriam engasgados de fome
II
Não há luta onde crenças
língua e cultura
misturam-se feito lixo no saco
identificando-se pela cor
À vontade de comer bananas
para não gritar de dor
vem das entranhas
sob o comando de Ogum
III
Terra firme animal preso e cativo
sem terra sem nome sem língua
São bantos maleis yourubás
Homens e Mulheres
vivos pelo bater do pé no chão
MALUNGOS
Teu choro cor de zanga
pariu do corpo a dor
Misturou-se sangue e terra
ódio e paz, amor e guerra
Viste o sofrimento de um povo
o lamento do cativeiro
a hora da liberdade voar
O que teus olhos viram
teu corpo pariu
As cicatrizes, o sangue,
o extermínio, as lágrimas
fecundaram teu corpo
em gesto cor e Poesia
O abstrato se concretizou
materializou-se na cor
Os rebentos ainda rebeldes
colhem flores políticas
beijam mãos religiosas
cantam hinos libertinos
O que teus olhos viram
teu corpo pariu
CHIBATAS
Foi a revolta da chibata
um grito de liberdade
João Cândido e rebelados
contra as humilhações
das chibatadas
Marinha escravista
século vinte de açoite
Marujos de belonaves
gritou-se revoltos
22 de novembro de 1910
Marcham João Zumbi Cândido
conspiradores da liberdade
Heróis de uma raça
Injustiçados
de uma história má contada
MISERÊ NOBILE
Meninos de olhos tristes
agitam o ar de braços
decepando a miséria pelos poros
poluindo o asfalto
com balas e mariolas
Sinal fechado
Fecha o vidro
Passa negrinho
Olha o sorriso sem dente
na cara desses doentes
São marginais sociais
Rebentos prostituídos pela fome
- Passa a navalha
- Segura o cara
- Pega ladrão
Rostos sem nome
furam o reflexo do asfalto
Horrendo produto
da subcriação humana
- Meu relógio
- Não se preocupe
papai compra outro
NEGRO SAFADO
Êta negro safado!
Um novo tarado
Pancada ao toco
mulher, o troco
Êta negro safado!
- Olha a rua
Negro de rua
- Fecha o trânsito
- Tranca rua
Êta negro safado!
Que fica calado
braços cruzados
de lado a tudo
sem conteúdo
Êta negro safado!
- Entra pelos fundos
Elevador de serviço
- Um sorriso
- Sim doutor
Êta negro safado!
- É um assalto!
De dentes cerrados
- É uma arma!
De pernas longas
- É a polícia!
O EXTERMINADOR
Meus filhos não serão alijados
banidos exilados favelados
Correrão livres absorvendo o sol
Terão cor ébano, polidos pelo chicote
Minhas cicatrizes em alto relevo
tatuarão a história de uma raça
Contribuirão para a quebra dos grilhões
Libertarão um povo da tutela
Teu governo paternal
Teu parlamento europeu
Tua fundação afundada
Tua ideologia fracassada
Exterminador suicida
cavaste tua sepultura
Foste o coveiro da tua ideologia
dominada pela injúria
Teu direito à morte está ao lado
morto pelo desespero do poder
Tua raça de domínio
exterminou-o enquanto homem
Serás o abutre
alimentando-se de Prometeu
O fogo que jorrará de teus olhos
cegará teus filhos
Poderosos cairão feito
colosso aos pés da igualdade
Tua raça sobreviverá
e verá a minha triunfar
PRETO NO NEGRO
grana preta peste negra
Minha preta pérola negra
Faixa preta cambio negro
Negropreto
música negra
poesia negra
artista negro
Um preto
pretinho básico
pretàporter
Pretonegro
negro gato
Gato preto
caixa preta
Buraco negro
NAÇÃO HUMANA
Terra da desigualdade
da corrupção
do racismo
da deseducação
Meu país
negro brasileiro
favelado
aquilombado
esmagado
segregado
Uma manhã
que quero nação
humana
Saborosamente
diferente
Oportunamente
igual
PLURALISMO
A cor universal é negra
pela ausência e essência
da absorção do corpo
É delito conflito
abjeto em nós
A cor ausente de luz negra
pluraliza o verbo
Colori o infinito
em perfeito vazio
em tempo espaço universo
BENDITO DIA
Bendito dia das reparações!
Da remissão do passado
das cicatrizes da escravidão
Bendito o dia da reeducação!
Igualdade em oportunidades
liberdade para as diferenças
Bendita quebra dos grilhões
vôo para condução consciente
Luz para o conturbado ver
Bendita Paz
que não se faz
senão em paz