Quanto Você Vale?

Nascemos,

Somos registrados,

Carimbo, registro selado,

Vão emitindo documentos,

Te classificam em números,

Batizam em nome,

Depois outros algarismos,

A numerologia tenta conciliar ambos,

Passando pelos estágios desenvolvidos,

Por pedagogia de Piaget,

Os pais preocupados em educar,

Sujeito precisa dar lucro quando crescer,

Vão moldando a criança,

Educação rígida,

Parca esperança,

Orgulho de viver no “progresso”,

“Evolução”, dizem os pseudo-darwinistas,

O moleque precisa ter ofício,

“Homem de bem” tem que trabalhar,

Tripalium voraz que só faz humilhar,

Doces sonhos que a infância deixará de sonhar,

Só labuta e busca pelo sustento,

Casando ou não,

Colocando nessa angústia,

Novos rebentos,

Produção de reprodução,

Fazem as contas,

Contabilidade funesta,

Se não valer a pena,

Lucra mais a morte,

Seguradoras engordam,

Cadáveres em estoques,

Investimento na bolsa de cemitérios,

Adoecer pode trazer prejuízo,

Mais vale o sujeito na lida,

Dando o suor,

Empregado de firma,

Nas costas a sociedade,

Sem piedade cobra,

“Chefe de família”,

Precisa ter honra monetária,

Esbanjar pecúnia,

Manda a burguesia desvairada,

Mão-de-obra solapada,

Quanto nós valemos no mercado?

Cada um possui certa cotação,

Conforme certo interesses,

Uns nem se passam por cidadãos,

Entre intelectuais de meia pataca,

Ocorre destaque acadêmico,

Servindo fins de ciência comprada,

Tecnocracia, burocracia,

E os ismos, capitalismo, “modernismo”,

Inflação ditando regras,

Mendigos sem preço ofertado,

Bandidos alteram a lógica empregada,

Existe ordem, economista alega,

Somos produto,

Quanto valemos?

Seu filho, quanto vale?

No hospital vão atende-lo,

Se puder pagar,

Só vai se alimentar,

Se comprar,

Vende sua força de trabalho,

Deixa escoar sua mais-valia,

Entre um rico e um pobre,

Qual vida vale mais?

Circunstancial aposta,

Prostituição já tarifou os corpos,

Há tempos somos mercadoria,

Agora alguns protestam,

Mas segue a exploração,

Aristocracia, Monarquia, Clero, Burguesia,

O valor está no trabalho?

Naquilo que produz?

Se assim for,

Porque o trabalhador é menos valorizado?

Carma de proletariado?

O pai agoniza com a fome do filho,

A doença maltrata o bebê recém-nascido,

Tais moléstias não atingem o herdeiro abastado,

Disparidade sócio-econômica,

Atribuir um valor não é desvalorizar?

Já que limita a uma condição de câmbio?

Oscilamos entre graus de importância,

Hoje moeda valorosa, amanhã papel sem uso,

Estratificam em classes,

Segregação por propriedade,

Mas quem detém os “meios de produção”,

Não possuem certa vantagem?

Ditam as normas de apropriação,

Propriedade é o que somos,

Proprietário, quem seria?

Muda-se a indagação,

Quanto vale o outro?

Agora viramos motivo de escambo,

Todos na lógica de troca,

Passivos de transação,

Passamos de mão em mão,

Fluídica natureza,

O valor da moeda não está nela,

Nos fazemos papel-carne-moeda,

Alienamos nosso real valor,

Passamos a não valer,

Vale a pena assim viver?

O produto com códigos de barras no leitor,

Você, eu, nós, lidos em leituras cambiais,

Quando romperemos com essa catalogação financeira?

Não importa mais ser,

Importa ter,

Mas nada temos,

Nem a nós mesmos,

Quanto vale não termos?

Quanto vale não sermos?

Quanto vale vivermos?

Quanto vale sermos dinheiro?

Quanto vale o próprio menosprezo?

Quanto vale o humano desespero?

Quanto vale o nosso desemprego?

Quanto vale?

Quanto?

Vale?

Vale até quando?

Até que ponto?

A idéia de vale é um relevo em buraco,

Sobra-nos esse imenso hiato,

Onde na busca de preço, mergulhamos,

Fizeram as contas de nossa existência,

Ao morrer também será cobrado,

Não apenas nos ritos e burocráticos paramentos,

Desde Osíris o coração é pesado,

Balança buscando cifras,

Almas pela hora da morte,

Diabo, negociante dos mais perspicazes,

A Fortuna que era glória,

Agora é só riqueza capital,

Sacerdotes fazem seu pé de meia,

Templos erguem colunas feito cofres,

Agências bancárias divinas a prosperar,

Sonhos, saúde, esperanças, tudo se pode permutar,

O abstrato tem mais importância,

Materializado o ideal em moeda corrente,

Quanto de nós podemos gastar?

Somos consumíveis,

A natureza domamos pra vender,

Saímos do planeta pra ter mais opção de oferta,

Já que conseguimos causar deficit na Terra,

Quem sabe superavit em Marte,

A Balança Comercial de Osíris declina,

Resta algum saldo?

Quanto foi debitado?

Algo a ser depositado?

Quantas cifras competem a cada um de nós?

Quem ou o que determina o grau de importância?

Quanto valemos nós?

Somos lucro, mas nos chamam prejuízo,

Apontam o quanto custamos,

Mas o benefício não é computado,

Disparidade que só faz alijar,

Quanto ainda resta da sobra que insiste em esmigalhar?

Quanto eu valho?

Quanto você vale?

Quanto nós valemos?

Quanto eles valem?

Façam as apostas,

Dêem os lances,

Esse jogo é de azar e sorte.