Um Grande Homem Chamado José

José é seu nome,

Poderia ser Pedro, João,

Qualquer epíteto bíblico de renome,

Ou qualquer outra forma de denominação.

Brasileiro, assim naturalizado,

Mas questãoes de pátrias e nacionalismos,

Poderia ser vietnaminta, francês abrasileirado,

Nada disso ofuscaria o que por ele sentimos.

É nordestino, com orgulho de ser,

Se fosse do Sudeste ou outra região,

Também teria a mesma alegria em viver,

Sua felicidade é de viver nesse mundão.

A cidade não convém citar,

São tantas parecidas, sendo tão diferentes,

Cada lugarejo sertanejo é peculiar,

Mas a miséria para reproduzida de forma deprimente.

Reduziram seu nome pra Zé,

Mas antes disso já quiseram reduzi-lo,

Sabe que onde ele estiver,

Será tratado como sertanejo diminuído.

Mas conhece as belezas do sertão,

Muito mais que literatos consagrados,

Aquele solo de rachar pé de peão,

Sujeito pisa na quentura com sapato furado.

Poeira que levanta e nem incomoda as vistas,

O chapéu protege um pouco os olhos castigados,

Mas parece que as pálpebras se fazem de parabrisa,

O sujeito enxerga com terra roçando o olhar vidrado.

Vem um asno relinchando,

Empacou no caminho,

O dono espanca xingando,

Nem sentem dó do bichinho.

Os gestos são sutis,

Um movimento de mão,

Um toque na aba do chapéu já diz,

Cultura refinada do nordestino sertão.

Urubu está sempre espreitando,

Vez ou outra tem carcaça pra roer,

Ficando nos céus sobrevoando,

Bicho paciente que espera morrer.

A cachorrada não é principiante,

Parecem já nascer sabendo o riscado,

Seguem o dono e buscam a todo instante,

Restos, migalhas, tudo por eles é reciclado.

Homem e mulher disputam com os burros,

É fardo que carregam nas costas embaixo do sol quente,

José é desses trabalhadores que dão duro,

O suro pinga grosso e os traços da pele são fundos e comoventes.

Ao contrário do mercado "civilizado",

Seu território tem por valor a permuta,

Mais vale um comércio bem trocado,

Do que dinheiro de pouca ajuda.

Até a galinha é de capoeira,

Se não for de briga aqui não sobrevive,

O que não impede ir pra frigideira,

Ovo caipira é iguaria que não se resiste.

Zé teve doze filhos,

Menos que seus pais,

Mas ambas as gerações subnutridos,

Dos seus rebentos fez quatro funerais.

O resto da família vive, sobrevive, subvive,

Existe a distribuição das tarefas domésticas,

Criança desde cedo aprende, a realidade agride,

Vale a imaginação nas brincadeiras intrépidas.

Menina quando começa a menstruar preocupa,

Se pega barriga novinha vai logo pra luta,

A mãe costuma ser exemplo dessa precoce labuta,

Um ciclo que em dado momento serve de fuga.

Roupa estendida no varal de arame farpado,

Sem risco de furar por já serem furadas e rotas,

O vento castiga com a poeira como cruel carrasco,

Carroça é carro de luxo pra quem só tem condução de sola.

Zé nem chora mais diante das mazelas,

Uma vez chorou mas pensaram que era suor,

Caboclo considerado rude entre donzelas,

Mas é pragmático por falta de destino melhor.

Educa os meninos e as meninas com austeridade,

Se não for assim, não vingarão nesse mundo de pobreza,

Aqui impera a lei do forte, considerado fraco perante a sociedade,

É batalha de uma vida sabendo que terá a derrota como certeza.

José de que? Isso não importa,

São tantos zés, que nem o IBGE dá conta,

Mas essa é uma singular história,

Por mais que queiram fazer rotina, sem importância.

Sabe o quanto a água faz falta,

Bebe a de uma poça barrenta,

Roupa se lava depois de longas pausas,

Comida feita com calma em fogão de lenha.

Pau não falta pra alimentar o fogo,

Já não bastasse o calor sem trégua do sol escaldante,

Ainda usam para fazer cruz pra morto,

Servem de base para casa de pau a pique dos retirantes.

São mesmo retirados,

Não apenas das terras, dos "educados",

Sem registro, marginalizados,

Ocupam a parcela dos não contabilizados.

Se os procuramos nos mapas,

São aquele espaço entre as linhas,

Só que são de um espaço que é nada,

Por não constarem na classificação política.

Mas José, o Zé, é forte,

Sobreviveu sem nunm ter ido ao médico,

Em sua casa sempre ocorre visita da morte,

Já não teme morrer e busca cachaça para matar o tédio.

Botecos existem nos lugares mais recônditos,

é preciso uma forma de aliviar o sofrimento,

Pinga, música, prosa e igreja para orar pro santo,

Entre pecado e salvação vive-se com pouco provimento.

Seu Zé é como chamam para dar mais respeito,

Isso ainda ele possui, o "seu", única propriedade certa,

Difícil saldar as dívidas de "fiados", mas esse é o jeito,

Muitas vezes fica com fama de devedor, mas a moral conserva.

Quando vai pra cama com a mulher,

Agradece por esse prazer carnal,

Pretende derrubar a esposa enquanto puder,

Coisa de "cabra macho" que honra o nupcial.

Cigarrinho de palha aceso para dar uma pitada,

Mordiscar um raminho de mato ainda verde,

Ver as brincadeiras em frente de casa da molecada,

Na falta d'água procurar controlar a sede.

Carcaça dura de trabalhar no roçado,

Manejando a foice com força e jeito,

Enxada comendo firme no solo empedrado,

Mãos calejadas e os pés grossos e pretos.

Chamam ele de pequeno, duvido que seja,

A não ser o micro do macro ao estilo Trimegistus que abrange tudo,

Falam que seu nome tem apenas quatro letras, sem realeza,

Mas "deus" tem quatro letras e nem por isso consideram diminuto.

Saudamos a você Herói-Zé-Nordestino-Brasileiro,

Que morrerá sem as glórias devidas,

Mas com exemplo seguido por outros sertanejos,

Assim é herança dessa cabocla sina.