Mendigo

Todos os dias,

Nas cidades,

Figura conhecida,

Provoca piedade.

Mendigo é o nome dado,

Sujeito que anda sem teto,

Vive de receber trocados,

Se alimenta de podres restos.

Poderia ter um nome,

Mas preferem chamá-lo indigente,

Que dirá ostentar um sobrenome,

Pra muitos é tratado como delinquente.

Roupas rasgadas, deterioradas,

Não liga pra moda e se faz displicente,

Habita por curtos períodos a calçada,

Depois é expulso, nem é considerado gente.

Dizem exalar malcheiro,

Por ter apenas o aroma natural,

Não liga pra artifícios de banheiro,

Faz as escatologias sem ligar pra moral.

Moralização de um indivíduo a margem?

Que habita no seio do meio público,

Mas é a contestação viva da sociedade,

Ignorando as regras, se fazendo rústico.

Talvez a essência do misantrópico,

Intrometido no sistema feito câncer,

Seus atos considerados inglórios,

Pensam que é assim por falta de chance.

O Socius produz seus bastardos,

Deixa-os perambular na miséria,

Banidos sem serem exteriorizados,

Guerreiros de uma batalha sem trégua.

Na pregação da norma higiênica,

Retraram a força dos anti-corpos,

Dizem não saberem a própria procedência,

Vira-latas sem esperança de ossos.

Sua genealogia é rebelde,

A família ignora essa linhagem,

Caminha só, uma crosta na epiderme,

Às vezes comete alguma rapinagem.

Alguma vezes flagrada despido,

O membro nu exposto,

Feito cão, não importa o ato cometido,

É desinibido, canta, se faz louco.

Os cabelos volumosos,

Pelo menos os que tem vasta cabeleira,

A barba segue o emaranhado em foco,

Mergulha nos pelos que cobrem a face por inteira.

Caminha descalço, pés de sola endurecida,

Um sapatado furado pode ter alguma serventia,

Cidadãos respeitáveis fazem questão de pagar bebida,

Uma forma de aliviar o que imaginam ser uma vida sofrida.

Segue a mendicância, o olhar pedinte,

A fala muitas vezes desvairada,

As unhas grandes, escuras,um azeviche,

Aparência dita aporcalhada.

Sua risada pulsante, invade a mente, causa espanto,

Ri de que esse pobre diabo?

Que motivos teria para rir esse fulano, ou seria beltrano?

Talvez seja idiota o desgraçado.

Existe o apelo a religião,

Tentam dar conforto,

Procuram alguma explicação,

Um otimismo depois de morto.

Mas e a vida? Que vida?

Sobrevive, sub-vive, ainda mais abaixo,

Menor que as baratas temidas,

Menor que o não visto chamado átomo.

Diminui tanto que até some,

Passamos por um deles falecido,

Mas não damos atenção aquele homem,

É como parte da paisagem do sem sentido.

Se tem a ousadia de baterem em nossas portas,

Fazemos cara feia e procuramos nem atender,

Alguns reclamam que ele tem fome fora de hora,

Que é absurdo incomodar o lar de quem tem o que fazer.

O próprio adjetivo remete-os a uma patologia,

Se não existe doença física então dizem ser de caráter,

Através da classificação os remetem a anomalia,

Na tentativa de tentar aprisionar, antes que ele de vez escape.

Mas o Mendigo é surpreendente,

Ela sai mesmo estando dentro,

Contamina mesmo feito contigente,

Um aborto fértil, bizarro rebento.

Na limpeza da higienização,

Ele demonstra sua sujeira,

Na estética do belo, de límpida feição,

Faz-se de roto, faz de lar a sarjeta.

Se lhe oferecem um trago, não renega,

Abraça dionísio em descompostura magnífica,

Mesmo depois de morto, não se entrega,

Será enterrado sem prestígio, sem nome, sem família.