A CADEIRA

A CADEIRA

A cadeira vive no recanto do salão,

Observante, atenta,

Tudo vê, nada comenta

Nem diz sim, talvez ou não!

Muda, escuta o que fala

A gente que passa sem olhar

O tão calado mitigar

De pensamentos que cala!

É de escura madeira

Rebiques e mais rebiques

Torneados nos espiques

Da sua feição de cadeira!

É de couro , oh! E que couro

Como encoirado é o descanso

Dos muitos que fazem remanço

No frenesim de besouro!

Aqui se senta o avô e o neto,

O homem que faz o projecto,

O músico e o poeta,

A alcoviteira discreta,

A vendedeira com seu pregão!

Na perna inerte se coça o cão

E esfrega o pelo o gato,

Cruza o rico o sapato

E o pobre a chinela,

No assento, ah! Coitado,

Que sofrimento, direi,

Senta-se o pajem e o rei,

O agricultor, o industrial,

O fazedor do bem, o pensante do mal,

O juiz, o advogado,

O bem e o mal amado,

Mas também o regedor,

A velha figura de primor

Como é qualquer senhor

Que pensa ser importante

Mas que em nada é distante

Do apenas pó do caminho

Que - esse sim – vem de mansinho

Aconchegar-se na cadeira

Trazido pelo vento da janeleira!

Também o bom e o esbirro,

O alérgico com seu espirro,

O padre, o acólito e a freira

Vêm no abraço da cadeira

O seu porto de chegada,

Sem agradecer a aportada

Que lhe dá humilde abraço

Mesmo que seja simples o regaço!

E, no senta e levanta,

A gente continua a demandar

A cadeira naquele lugar!

Vem o maestro e a corista,

Recosta-se o ministro e o jornalista,

O emigrante da França e Suíça,

Até o presidente se espreguiça

No lugar onde o charuto

Do empresário é que bruto,

Pensa como há-de enganar

O operario que também vem descansar

Passada a jornada de grande labor

Só para servir o seu senhor!

Recosta-se na cadeira o pedreiro,

O talhante , o banqueiro,

O condutor destravado

O policia desalmado,

O aluno e o professor,

Solta o “pum” o doutor,

Chafurda o nariz a criança,

Diz “ ai!” o doente,

Ri o gozão de contente

E chora a viúva infeliz,

Brinca o grande e o petiz,

Reza o terço a beat,

Fica hirto o aristocrata,

Medita o artista pintor

Que se diz filosofo do amor

Mas ama apenas a ilusão!

Ali, enxerga-se a culpa e o perdão,

Deixa-se esquecido o livreco,

A revista e o boneco,

O leque da senhora que é fina

E o laçarote da menina!

Fica perdido o boné,

O chapéu, a gorra do João e do José,

Cai o pó-de–arroz da tia,

O queijo na sua melhor fatia,

A nódoa da fruta e do chourição,

O homem quer diz sim , a mulher que diz não!

Fica o cheiro do bebé,

O resto que caiu do rapé

Do cheiroso homem descuidado!

Senta-se ao colo do namorado

A donzela carinhosa

Engalanado com a rosa

Roubada no próximo canteiro

À socapa do consorte jardineiro,

Que dentro em pouco vai chegar

Ofegante, a transpirar,

Sedento do carinho de um beijo

Que a cadeira vê , mas sem sentir desejo!

Até o bispo destacado

Escolhe a cadeira no seu estado

De a lado se pôr na tribuna!

E ate mesmo o militar

Vem aqui engendrar

A táctica de atacante,

Qual jogador pelejante

Num estádio , aplaudido

Em local onde será esquecido!

O varredor e o coveiro

O mecânico e o carpinteiro

A costureira e a modista,

O cantor de ópera, o guitarrista

Buscam este assento p’ra repousar

E ganhar forças, continuar

A caminhada, sabe-se lá se derradeira!

Ergue-se também a bandeira

Grita-se o clube e pais,

Repete-se o que o politico diz

Num clamor sem igual:

“Viva a terra, viva Portugal!”

Saudoso contempla o brasileiro,

O africano, chinês, o mundo inteiro

O mar do quadro de parede

Sem barcos à vela, remos ou rede,

Nem mensagens de busca e amizade,

E chora-se a distância… a saudade!

O muçulmano, o cristão e o judeu

Oram neste recanto ao céu,

Até a bruxa engavinhada

Lê a sina já adivinhada!

E em toda esta embrulhada

Nem mesmo a resignada criada

Deixa de aqui se acoitar

Para depois vir limpar

Toda esta confusão

E joga indiferente para o chão

Esta grande bagunceira

Que, naquele canto, a cadeira

Arca todo o dia sem queixume,

Sabedora que um dia o lume

Poderá ser seu destino

Quando já velha, sem brilho e tino

Acabar numa qualquer lareira

A historia de ser cadeira!.

José Domingos

Jose Domingos
Enviado por Jose Domingos em 10/08/2011
Código do texto: T3151501
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