Carro de Boi
Vou sentado em cima,
Olhando a paisagem,
Lento é o boi que não se anima,
Sigo nessa vagarosa viagem.
Passa boi, passa boiada,
Eu aqui nesse carro de boi,
Vou seguindo na estrada,
Atrás daquele morro a casa se foi.
As rodas girando,
Esmagando esterco,
Vou só observando,
Mundão grande que dá medo.
Êêêêêê boooiii!!!
Grita o puxador,
Viajamos em dois,
Menos carga nesse horror.
Bicho sofre, e como sofre,
Não falo do bicho homem,
Mas esses de carga, chega comove,
Alguns além da carga, passam fome.
Os bois com cara de cansaço,
A fadiga deixa o animal abatido,
Mas caminha em lerdos passos,
Parece saber-se cumpridor de destino.
Sendo vaca, dariam leite,
Morreriam no abate,
Mas transporte deixa doente,
O bicho vive em desgaste.
Vai ruminando esse capim,
Despejando fezes ao andar,
Uma vida inteira assim,
Servindo e sem poder reclamar.
E roça vai engolindo tudo,
Os roceiros acenando,
A sina é mais difícil dos burros,
Boiada mugindo com sofrimento.
Seu Zé Rôco, como vai?
Nasceu outro bezerro,
Pra sofrer com seus iguais,
Luta que ocorre desde o começo.
Donana, e a fia?
Tá conunseiquê!
O que fazê coessas mininas?
Tá difírci, dinlôqecê!
Murundum de cupim,
Taca pedra e vê se acerta,
O boi indiferente masca o capim,
Hoje a noite tem seresta.
Arrasta pé do povo,
Cervejada e cachaçada,
Tem galinha botando ovo,
Homem de olho na mulherada.
Mata galinha,
Escorre o sangue,
Tiras tripinhas,
Os beiços lambe.
Há muito tempo conhece,
Essa tal de reciclagem,
Porco e galinha come sobra, não esquece,
Vão virar comida, produzem até adubagem.
Pinguela danada corta o rio,
Molecada adora se aventurar,
Bicharada logo entra no cio,
Rebanho cresce e faz prosperar.
Enchentes fazem perder a colheita,
Animais afogados nesse dilúvio,
Mas pobre nessa vida sempre se ajeita,
Não perdeu a vida, então luta no mundo.
Cachorrada marca em cima,
Bota pra correr cavalos,
Briga por qualquer comida,
Uns tem fama de bravo.
Jogo os milhos pras galinhas,
Capricha na ração do novilho,
Reza pro santo por garantia,
Na rede até tira um cochilo.
Pé rachado de andar descalço,
Mãos calejadas de enxada,
Pele curtida exposta ao sol fausto,
Poeira de estrada de chão na cara.
Dona Zezé faz uma broa,
Mulher de roça tem mão de fogão,
Sabe fazer comida boa,
Ainda cuida de pesada obrigação.
De noite é escuridão mato adentro,
Mosquitada e uivo canino,
Carícias procurando fazer silêncio,
Roncos e animais notívagos.
Enfia o pé no brejo,
Atola o carro de boi,
Busca alavanca por perto,
E continua a andar depois.
Leve o leite fresquinho,
Ordenhado logo cedo,
Antes de beber o bezerrinho,
Depois que aprende não tem segredo.
Fruta colhida no pé,
Cana sendo chupada,
Tem Maria e tem José,
Bicho morto e urubuzada.
Gado morto na marretada,
Porco sangrando no punhal,
Galinha sendo degolada,
Morte é rotina no curral.
E carro vai sendo guiado,
Boiadeiro de chapéu de palha,
Mais um dia dos diabos, ensolarado,
E no caminho dão passagem as vacas.
Mundo cão, com cães sem mundo,
Carro de boi, que é carro com boi carregando,
Pancada até arrancar o couro, que absurdo,
O bicho chora e a lágrima no olho, presa no canto.
O choro do roceiro é ressentido,
Brutalmente desconta nos bichos,
Bate forte sem ficar arrependido,
Arranca sangue e segue seu sofrido destino.