Senzala
Cheiro de negro!
É o que diz o feitor,
Com nojo, desse jeito,
Um algo com primor.
Amontoados nos cômodos,
Pior que canil lotado,
As cadeias de hoje mostram o incômodo,
O sentido excessivo de povoado.
Negrada reunida e fedida!
Diz o fazendeiro que se acha doutor,
Se mete a sabe dessa Sociologia,
Não passa de escravista sem pudor.
Comedor de pretas,
Seu nojo não é de sexo,
Faz filhos e depois rejeita,
Deixando bastardos sem teto.
Crioulada fétida,
Assim apontam os estrangeiros,
Gringaiada patética,
Com suas fórmulas de preconceito.
Negrinhos fedorentos!
Dizem as putas patroas,
Adoram ter amante ao relento,
Na cama o racismo se destoa.
Macaquinhas de tranças,
Rebaixam ao bicho,
Para garantir as finanças,
Homens com caráter de lixo.
Pretinhos bandidos,
Enquanto os filhos fidalgos,
Usam e abusam dos meninos,
Gente feita de brinquedo pra incautos.
Malditas mucamas,
Excluídas da casa e mesa,
Mas incluídas na cama,
Tudo na maior safadeza.
O chicote comendo no lombo,
A pele é preta e por isso castigada,
O sangue é vermelho sem assombro,
Como de qualquer nobreza azul afirmada.
Amas de leite,
Porque os bicos pretos,
Espelem leite branco para deleite,
Dos bebês, futuros carrascos de negros.
A roupa que vestem é branca,
Sobrepele em cima da renegada,
Mortalha já de garantia para futura matança,
A fé mulçumana é pela cristã solapada.
Correntes e outros grilhões brutos,
Feito forma de domesticar certos animais,
O choro não abranda o mandado resoluto,
O tronco no centro lembra o motivo dos "ais".
Nasce gente na senzala feito bicho no mato,
Escorre pelas pernas e tem que se virar sozinho,
Se morrem agradecem não ter passado esse presente ingrato,
Vivendo é mais um com esperança de pelourinho.
Cheiro de trabalhador sofrido,
Pobre visto como podre,
Sem fragrância de francês rico,
Como se nem humano fosse.
A tradição resiste,
Mesmo com sincretismo,
A força do que oprime,
Provoca resistência no oprimido.
Carrega "Senhor" nas costas,
Feito burro que tem múltipla serventia,
Não adianta contar história,
Feitor na pancada arrefece a valentia.
O mito do herói sempre se ergue,
Os quilombos são refúgio de mártires,
Marginais são chamados pelos maldosos chefes,
Viram até Zumbi para alegria nos Palmares.
Enfezados ficam pelas fezes carregadas,
E os que se acham brancos comparam-nos à merda,
Mas podre é a índole dessa gente de mente cagada,
Sua decadência fisiocrata é a única coisa certa.
Vão falar de raças, criando racismos,
Mas os gringos estão certos de que,
Esses tupiniquins são todos mestiços e bandidos,
Naquela colônia não tem muito que se fazer.
Nas costas desses comparados aos símeos,
Ergue-se uma nação sem noção do passado,
Composta de líderes que não passam de cínicos,
Com estirpe que dizem feder a peido, estando já cagados.
A safra que cultivavam era de gente,
E colhiam o fruto com desprezo,
A selvageria demonstrou que o povo é valente,
Essa dor não conseguiu extinguir o dito negro.
Longe da Casa Grande, num chiqueiro,
Emporcalhados para abaixar a dignidade,
Demonstraram como se vence o medo,
Quando não temos escolha diante da fatalidade.
A senzala exala o aroma da vilania,
Alteridade satanizada ao píncaros,
Prédica de um holocausto que eclodiria,
E o abutre continue roendo nossos fígados.