A Menina Que Ainda Sonhava
Jéssica cresceu na miséria,
Seu berço foi de madeira podre,
Vida difícil e paupérrima,
Se virou ao amadurecer como pode.
Soube o que é passar forme,
Comer aquela mistura com farinha,
Desnutrição a criança consome,
São as lutas diárias da periferia.
A mãe surrada pelo pai bêbado,
Em casa chorava quietinha,
Quando sentia aqueles dedos,
Que o beberrão tocava sua calcinha.
A primeira vez tocada foi por essas mãos,
As mesmas que batia em sua mãe,
Demorou a sentir prazer numa relação,
Seu complexo foi de motivo infame.
Via as amiguinhas engravidando cedo,
Seu destino não foi diferente,
Foi mãe aos quatorze anos, teve medo,
Viu que tinha um carma deprimente.
Ainda brincava de boneca,
Quando nasceu a filha,
Pediu homem, por causa dela,
Não queria o mesmo destino para a pequenina.
Trabalhava de empregada doméstica,
Sujeita aos mandos de quem contrata,
Seu corpo doía no final das tarefas,
Mas era preciso levar dinheiro para casa.
Ficou feliz com o primeiro salário,
Comprou uma blusa na feira,
Foi num sábado ensolarado,
Mas no mesmo dia adoecera.
Pegara uma gripe,
Algo considerado menos grave,
Não há patroa que alivie,
Piorou e virou pneumonia, previsível desenlace.
Perdeu o emprego pelos dias de ausência,
Sua filha ficou sob a tutela de amigos,
A família dizia que pobre nessa vida tudo aguenta,
E ela resistiu, seu corpo havia restabelecido.
Sem uma renda,
Depressiva,
Pôs-se à venda,
Isso não é vida.
Os homens com o perfil de seu pai,
Agora seus clientes, lhe davam nojo,
Apanhou algumas vezes levando tapas,
Quando deitava tentava anestesiar o corpo.
A felicidade era sustentar a cria,
Apontada nas ruas, humilhada,
Os homens casados que eram sua freguesia,
Perante a sociedade era destratada.
Algumas doenças venéreas acabou contraindo,
Mesmo assim se prevenia da forma mais segura possível,
Alguns estupros também ocorriam,
Cafetões lhe extorquiam de maneira incrível.
Frequentava uma igrejava evangélica,
Lá elas a acolhiam e podia rezar,
Acreditava que isso a tornava menos indigesta,
Era um alívio ter em que acreditar.
Assistia sua novela,
Pensava no seu príncipe,
Mas o cliente que dizia gostar dela,
Depois a largou sem nem ficar triste.
O mais supreendente disso tudo,
É que Jéssica, analfabeta,
Diante das adversidades do mundo,
Parava diante da janela.
Olhava para o céu diariamente,
Fitava as nuvens que ganhavam formas,
Imaginava figuras até mesmo de gente,
Ficava num transe por horas e horas.
Quando a mente vagava naquela névoa branca,
Ela sonhava em uma vida melhor, repleta de alegrias,
Naquele breve momento ela se permitia ter esperança,
Sua dor era grande, mas por um segundo provava daquela harmonia.