Em memória de um sertanejo (dos milhares) que morreu(ram) de fome e sede
BR 101 (BA/RJ) 03/83
 
Já faz tempo, muito tempo
Que habita meu sertão
Uma seca muita braba
Sem merecer atenção
Daqueles que com poderes
Teriam a solução
 
Em vez de sobrar miséria
Como sobra no sertão
Sobraria, com certeza,
Farinha, milho e feijão...
E o povo já tão sofrido
Sentir-se-ia impelido
A ajudar toda nação
 
Mas se escassa é a mesa
E tão farta a desgraça
O sertanejo se fecha
Dentro de si e, na vidraça,
Espera que esta pátria
Que nada lhes dá que se preze
Vire um montão de fumaça
Ou morra quem lhes governe!
 
Em memória... II
31-08-95
 
Esta vida de tanta labuta
E tanta sofrência e medo
Para juntar, se é que junta,
Pra ter um “taco” de terra,
Se é que este arremedo,
De pasto queimado e poeira,
Pode se chamar de terra
Neste chão a família inteira
Faz de tudo para sua subsistência
Mas vem o sol e, sem clemência,
Gera a seca que mata tudo:
A galinha do terreiro
O porco veio do chiqueiro
As três cabeças de gado
Pés de feijão já ramado
A mandioca o aipim
E o que restou do capim
Só servem pra fazer fogo
 
Mas os homens lá de cima
Sabem que todo ano é assim
Ai, inventam frente de trabalho
Dão picareta, pá e enxada
E manda a gente cavar
Aquela terra esturricada
Debaixo de um sol retado
A gente que vem da fome
Só pele e osso, mais nada
 
 
 
Como é que agüenta a enxada
Por oito horas à fio
E isto tudo em troca
De meio salário mínino
-se ele, inteiro, já é nada-
Que não dá nem pra pagar,
Por mês, a sopa pra dois meninos
E são oito fora nós dois.
Estes políticos não sabem
Nada de perenização dos rios
Nada, nada de açudes?
Mentira... Mentira grossa
Eles sabem bem disso tudo
Só que não pra nossas roças
Pois lá nas fazendas deles
- com o dinheiro da Nação –
Tem poços perenizados
Tem aguadas vitalícias
Só que tem, também,
Porteiras e milícias
Pra gente nunca poder
Perto da sua água chegar!...