Os Muros

Quantos são os muros que encontramos pela vida,

Cruzamos com eles cotidianamente, enigmáticas miragens,

Nem mesmo procuramos saber o motivo de sua existência,

Contemplamos sua figura feito camuflagem.

Não se pode negar que eles escondem algo,

O que estará por detrás de sua aparente solidez?

Frente, trás, depende de onde se observa este arauto,

Mas sua postura é implacável, expressa robustez.

Serve de divisa entre um que se torna interior,

Seja pelo que se faz de dentro em relação a um fora,

Também sendo motivo de antítese como exterior,

Alteridade que dá sentido ao que se compreende quando a explora.

Os muros receberam uma conotação pejorativa,

A História relatou na denominada Guerra Fria,

Que o mundo seria um lado ou outro, resumido por divisas,

Por isso difamaram essa murada de forma tão aguerrida.

Mas quem não se recorda do romanesco?

Aqueles amantes que transpuseram tal obstáculo,

Com estratégias diversas conseguiram feliz desfecho,

Terminando a cena com beijos intensos, molhados.

Na nossa sociedade contemporânea é fundamental,

Reclusos frente a uma violência chamada de marginal,

Onde nos aprisionamos propositalmente, por condição habitual,

Protegidos do outro que é um nós-mesmos tratado por desigual.

As crianças observam o muro como algo titânico,

Uma imensidão que cresce mais do que possa escalar,

Ainda assim existem moleques atrevidos que se aventuram sem pânico,

Outros servem-se deste abrigo no pique-esconde para não se permitir achar.

A muralha da China é colossal,

Se os muros fossem humanificados,

Esse chinês seria um Deus-Muro sem igual,

Enquanto todos os outros seguiriam distintos estados.

E pra quem pensa que o muro não sente,

Não podemos deixar de mencionar o Muro das Lamentações,

Recebendo sofrimento imenso de tudo quanto é tipo de gente,

Sem permitir uma ranhura mais profunda que possa abalar suas obrigações.

Existem muros consolidados de forma mais abstrata,

Deixando incomunicáveis pessoas, mesmo estando próximas,

Por habitarem terreno idealístico, crescem sem escalas,

Findando-se em algo intransponível por uma estruturação monstruosa.

Tal parede também é proteção,

Regimenta a idéia de propriedade,

Evoca aquele sentido privado que particulariza a união,

Remontando aquela clausura fetal da maternidade.

Na literatura o terreno murado é fértil,

A imaginação de autores nisso cativaram,

Tantas obras magníficas poderíamos descrever, por certo,

Mas o muro sartreano cito, por ser das que mais me desconcertaram.

Existe o sentido de transposição deste entrave robusto,

A meta vencida, aquele fascínio pela superação,

Olhamos pra trás e observamos a antiga barreira com olhar resoluto,

Nos tornamos a outra face de um objeto sem reação.

O muro de Berlim foi consagrado pela sua destruição,

Foi glorioso o desconstrucionismo material,

Ver ruir os alicerces que a intolerância impôs por violação,

Contemplar a fragmentação de um idealismo em fase final.

Existe a historicidade murística,

Pensamos a respeito de sua construção,

O que estaria de fato consolidando aquela imagem casuística,

Ou especulações acerca de tal ídolo da inanição.

Fobias atormentam mentes não permissíveis à muralha,

Pessoas tentam escapar por aprisionamentos do cérebro,

Descobrem que o cerco se fecha até esmagá-las,

Reduzidos a uma compressão causada por nosso engodo de mistério.

Os desertos criam suas paredes naturalmente,

Areias que fluem, criando um sentido de movimento,

Também pode-se mencionar as águas, obviamente,

Criando-nos uma idéia maleável de uma parede liquefazendo.

O corpo humano se faz de murado,

Impedindo passagem até de brutos tanques no ataque,

A Praça Celestial registrou a proeza no passado,

Com Gandhi os corpos são protesto pacífico, paralização da autoridade.

Montes de corpos fazem uma carnificina murada,

As cenas em preto e branco de vídeos demonstraram o horror,

Holocausto manchando a modernidade professada,

Com a nuvem atômica que viria vaporizar vidas numa atmosfera mórbida de fogo.

Muretas medievais que cercaram castelos,

Afastando monarcas de uma marginalizada plebe,

Templos erigidos com fortalezas rochosas de caráter austero,

Religiosos prevenidos pelo descrédito num Deus que por inteiro os cerque.

Muretinhas infantis expostas em brinquedos,

Esportes valorizando atletas que afrontam o murado,

Adorno que serve de fachada a projetos principescos,

Arqueologia arquitetônica que resiste ao tempo, tornando-se resultado.

Muros paramentados com formas vegetais,

Outras plantas formam muros por sua própra conta,

Cinematográficos são erigidos por motivos sazonais,

Nas pinturas podem ir além pela inspiração de quem as condiciona.

Muretas são travestidas por ares mais rústicos,

Algumas oferecem perigo com cerca elétrica,

Cores diversas fazem as distinções em estilos,

Desenhos grafitados também são impressos nessa estética.

No sentido figurado o muro é imposto de forma magnífica,

A linguagem pode conceber uma analogia com entrave,

Os otimistas utilizam a forma por tarefa ultrapassada, vitória conseguida,

Possui afinidades com o estático, assume uma ociosidade grave.

Seu ar de mistério fascina, desejam saber o que vela,

No cárcere prisional é visto como corruptor da liberdade,

Desde pequeno, no berçário, já se apresenta de forma séria,

Quando crescemos é a educação que os impõem por escolaridade.

Sombriamente, as muradas bloqueiam a luminosidade,

Protetoras dos que as utilizam feito escudo,

Atores coadjuvantes, inclusive em jornalísticas reportagens,

Fragmento do cenário de uma engenharia em uso.

Panorâmica murística dos que escalam e ficam em sua borda,

Contemplando a vista que a altura permite alcançar,

Saboreando o desafio de ter chegado ao topo por sua própria força,

Diante da possível queda que o estreito assento pode proporcionar.

No mito religioso a murada pode ser sagrada,

Pela formação acolhedora de um divino materializado,

Como dualidade teremos a categoria profana,

Passivo material conotando prévias de julgados que serão condenados.

O corpo seria a primeira materialidade murada,

Separando o interno orgânico da aparência observável,

O contato do ser com a realidade apreendida,

Limite entre o que é e o que deixa de ser numa existência representável.

Muretas fúnebres são erguidas ao redor do defunto,

Buscando conter a morte que é a última barreira que nos aprisiona,

Herméticamente lacrando a cova que conserva o mortalmente recluso,

Atrasando a ação das bactérias que não rejeitam putrefatas substâncias.

Muralhas servem também de divisa,

Delimitam certo território,

Impedem o acesso de imigrantes ilegais, excludente premissa,

Cartografia demarcada por lineamento vertical sólido.

Perspectiva murante, medindo distância,

Altura comparada, largura espessamente verificada,

Junção de elementos consubstanciando uma cerca que invoca pujança,

Metragem lógicamente posicionada, de forma angulada.

Fetichizante modelo do que se interpõe,

Grosseira ótica de um subterfúgio de resguardo,

Margem conflitante entre espaços que se opõem,

Linha que se pretende neutra entre separados.